Fé e denúncia na romaria da terra no Maranhão

Fé e denúncia na romaria da terra no Maranhão

Fé e denúncia na romaria da terra no Maranhão

 

AÇAILÂNDIA.Se é pra ir pra luta eu vou. Se é pra estar presente eu tô. Pois na vida da gente o que vale é o amor”. Foi sobre este ritmo que integrantes da Igreja Católica de todo Maranhão juntamente com movimentos sociais da região realizaram a XI Romaria da Terra e das Águas, no Distrito Industrial do Pequiá, município de Açailândia (MA). Durante os dias 10 e 11 de setembro caravanas das dioceses de todo o estado e de cidades vizinhas como Tocantinópolis (TO), do MST, do movimento indígena, dos quilombolas, das quebradeiras de coco e da resistência de feminina trabalharam a temática “Terra, Água, Direitos: Resistir, Defender e Construir” com o lema “destruir os sistemas que destroem a terra”. 

 

  Algumas caravanas viajaram por mais de oito horas com o objetivo de participar dessa grande caminhada que acontece de dois em dois anos. Mas o que motivou essa disposição que atingiu os quase 10 mil presentes? Dona Divina, uma das participantes da XI Romaria deixa claro o sentimento coletivo: “Para mim a décima primeira Romaria é o momento de reafirmar o nosso compromisso com o processo de libertação da terra, mas também do processo de preservação do meio ambiente. A Romaria traz como tema: ‘é tempo de destruir os sistemas que destroem a Terra’ e tem a ver com todo o processo de poluição de degradação que a comunidade do Pequiá vem sofrendo”.

  Sobre o aspecto religioso o Bispo de Imperatriz, Dom Gilberto, que também é representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Nordeste 5, ressalta que o evento “representa um momento de graça na vida do regional, mas também um momento de preocupação e de comprometimento em defender a vida”. O Bispo explica sua afirmação: “O planeta está sendo destruído. Os grandes projetos devastam o meio ambiente. As grandes siderurgias poluem o meio ambiente, poluem o ar, contaminam a água, e isso tem como consequência a morte, sobretudo, as populações pobres para aquelas populações que vivem a margem desse pseudo progresso, desse pseudo desenvolvimento. Então a Romaria representa um clamor, um grito de denúncia dessa realidade morte, mas ao mesmo tempo uma esperança. Uma esperança de uma vida nova, uma esperança naquilo que as comunidades, como alternativa, vão construindo e vão realizando.”

  É comum ouvir que estes “novos” projetos implantados na região são a fonte do progresso e desenvolvimento. Mas como demonstram as falas dos entrevistados, e de tantas outras pessoas que participaram da Romaria, fica óbvio que há outro discurso por traz desses “grandes projetos”. Aproveitando a oportunidade, conversamos com estes agentes de transformação e representantes presentes no evento.



  VELHOS PROJETOS, NOVAS ROUPAGENS – O Bispo do Município de Balsas-MA, Dom Enemésio, ressaltou em entrevista que cada vez mais o Maranhão vai ficando na mão de não maranhenses. Há alguma explicação para essa realidade? “O discurso, na verdade é uma forma de convencer as populações locais de que o progresso dessas grandes empresas, como a Vale e como a Suzano, vem e que ele chega para todo mundo. Mas na verdade não é isso que acontece” afirma Divina. “Como agente vê, as populações que são atingidas por esses projetos ficam cada vez mais pobres, doentes, que é o caso dessa comunidade aqui, e todo esse progresso que é propagandeado, que é divulgado, na verdade ele não acontece para as populações. A riqueza vai ser acumulada na mão de poucos. Nossas riquezas naturais vão ser exportadas e o nosso povo vai continuar acumulando a miséria”.

  A Susano Papel e Celulose chega com a proposta de ampliar as oportunidades de emprego para Imperatriz e região. Mas este projeto, trazido como apoio do Governo do Estado retoma a dinâmica da antiga CELMAR, que também desenvolvia o mesmo tipo de trabalho. Moradores da região relataram que na época foram feitas audiências públicas. Representantes de diversos órgãos estavam presentes e alguns, da Universidade Estadual do Maranhão, inclusive, alertaram para os prejuízos socioambientais desse empreendimento, mas o povo estava tão entusiasmado com a proposta de emprego e desenvolvimento que não deu atenção ao alerta.

  O resultado não demorou a aparecer: doenças, poluição e desemprego tendo em vista que os eucaliptos comprometeram a estrutura familiar, que ainda é baseada na agricultura de subsistência, retirando todos os nutrientes do solo. Resumindo, o projeto CELMAR da década de 80 foi implantado, comprometeu a estrutura familiar, financeira, social e ambiental da região. Depois de entrar em falência, a CELMAR doou suas plantações de eucalipto para a VALE, que as usava até então para queima do carvão que abastecia as siderúrgicas.

  Voltando para a atualidade, a Romaria do Pequiá ressalta essa denúncia, como ressalta o Padre da Paróquia Santa Cruz de Imperatriz: “Os resultados, até hoje, tem mostrado que esses grandes projetos nunca são de interesse popular. Sempre existem interesses dos megaempresários, de governos, de políticos, que levam vantagem disso. Políticos corruptos inclusive. De autoridades aí que estão mais preocupados com o seu bolso, com o seu direito, do que com o direito do povo, com a vida digna do povo. Então, também a Romaria tem feito, procurado fazer, uma reflexão sobre isso. Ao criticar esse sistema que tá aí, nós queremos fazer com que as autoridades, as pessoas que pensam dessa forma, mude e olhe mais para o povo”.

  O Bispo Dom Gilberto, alerta que “na verdade, essa onda do desenvolvimento, já há uns trinta ou quarenta anos, se você pega, por exemplo, as manchetes dos jornais daqui mesmo do Maranhão há trinta, quarenta anos, sempre se falava em desenvolvimento e progresso. Em emprego para todos. Onde é que estão esses empregos? Onde é que está esse desenvolvimento?”. Ele mesmo dá a resposta: “O que agente vê é uma população marginalizada, uma população que não participa sobretudo do lucro desses grandes empreendimentos. No Maranhão hoje nós temos 78% da população que vive desses projetos do governo, bolsa família, e todas essas políticas compensatórias. Então é preciso reverter isso. É preciso dar trabalho para as pessoas. É preciso dar dignidade. A dignidade vem pelo trabalho”.


  Pequiá de Baixo – Ruas cortadas sem infraestrutura, sem a possibilidade de tráfego de carros de médio e grande porte. De um lado, a fumaça de três cores diferentes que surgem das siderúrgicas da Vale. Do outro, o trem que carrega quilos e quilos de minério de ferro para a transformação em ferro gusa. Dona Divina é moradora da comunidade Pequiá há muitos anos. Ela ressalta que a situação é preocupante. Familiares e amigos já morreram por causa de doenças resultantes da fumaça liberada pelas siderúrgicas da Vale.

 

  Avanços – Durante a caminhada, representantes das Dioceses divulgaram que estão conseguindo um local para remanejar as 300 famílias da comunidade do Pequiá de baixo. Para os organizadores, esta ação já é uma conquista considerando todos os males que a comunidade enfrenta atualmente. Mas o recado é: “A luta não pode parar”. Os prejuízos ambientais permanecem. Como foi enfatizado em todo o evento: é preciso acordar e se manifestar. E mais do que nunca, “é preciso destruir os sistemas que destróem a terra”.


  O alerta – Dom Enemésio fala que a Romaria é um aprofundamento e um alerta. No caso de Balsas, “se agente for olhar profundamente esta questão, nós vamos ver que o que se produz naquela região, sobretudo soja, etanol, o arroz, o algodão, praticamente não fica nada para comunidade, para o povo, o povo realmente do Maranhão, os maranhenses realmente tem usufruído pouco dessa riqueza, desse desenvolvimento”. Segundo ele cada vez mais os maranhenses se sentem constrangidos a ceder suas terras para os sulistas. No fundo é um progresso, um desenvolvimento equivocado, que não leva em consideração a justiça social. “Pelo contrario, é um desenvolvimento que sempre mais dificulta, sempre mais concentrador, sempre mais as riquezas estão nas mãos de poucos. O acesso aos bens de consumo também sempre mais concentrados, sobre tudo a terra. quem já tem muito acaba tendo mais, quem tem pouco acaba ficando praticamente sem nada”.

  O Bispo destaca, entre outros problemas que não são do conhecimento de muitos maranhenses, que há um grande estímulo para grande produção através do agronegócio, em detrimento do pequeno produtor, da agricultura familiar e, consequentemente, da agroecologia. É certo que também que às vezes é concedido incentivo, mas segundo Dom Emenésio ele é mínimo. Faltam técnicos, pessoas que acompanhem os pequenos produtores. Relacionado a isto ele ressalta que as grandes chapadas foram todas desmatadas, praticamente não ficou nenhuma reserva pra trás, nenhuma reserva de mata. Quando chove muito tempo no inverno, a água leva areia para os córregos. Então acaba havendo assoreamento desses recursos, morte dos peixes, dificuldade com água. E o agronegócio, os latifundiários, aos poucos também vão se apropriando, comprando essas terras para justificar a reserva de mata que eles não deixaram nas chapadas. “Que eles destocaram tudo para o plantio de soja ou do algodão ou do milho” afirma.



  A lição – “O que precisa é ter uma maior participação da população, do povo nas decisões que são tomadas” afirma o Bispo de Balsas. “Porque também, falando em concentração, o poder está cada vez mais concentrado nas mãos de pouca gente. Nas mãos dos políticos, nas mãos dos formadores de opinião, nas mãos dos latifundiários, sempre mais. Então, a população realmente não tem condições de determinar os passos, as políticas que deveriam ser desenvolvidas.”

 

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