“Eu sou a serva do Senhor” Lc 1, 38

“Eu sou a serva do Senhor” Lc 1, 38

Por Cl. Renaldo Elesbão, religioso orionita e estudante de teologia

 

Se em Eva o pecado entrou no mundo, em Maria, por sua vez, a graça entra na história humana a transformando. O pecado não foi uma ação de um ser humano, mas da pessoa humana. Esta produz o pecado na dinâmica da história, pois o pecado não é criado por Deus, ele é histórico, ou seja, ele é fruto da liberdade humana no tempo e no espaço. O mundo humano é o substrato de sua liberdade. O mal, portanto, vem do homem, não de Deus.

Eva, a mãe dos viventes, contagiou a todo o ser humano com seu não a Graça. Em Maria a criação é refeita. Ela representa o Kairós. Agora é tempo favorável. Tempo de graça e da Graça. Cristo é a graça em pessoa. Não temos mais distancia absoluta entre o homem e Deus. Javé, agora, se faz presente definitivamente na história através do rosto misericordiosos de Jesus. “Quem me vê, vê o Pai” (Jo, 14, 9). Ele é a imagem modelo do ser humano. Nele somos filhos do Pai. Ele nos ensinou a chamar Deus de Pai. Não mais separação entre os homens e nem entre os homens e Deus.  

Transcendência e imanência se unem para fazer comunhão com a pessoa humana. Entre Javé e a pessoa humana se inicia uma relação interpessoal. O Incompreensível, o Incomunicável, o Indizível se comunica e, por isso, se faz compreender. Ele se diz porque se autorevela. A iniciativa é de Deus. A Trindade imanente se revela. Em Jesus vemos o Pai na dinâmica do Espírito Santo. O cristianismo condensa em si mesmo o Mistério na história humana. Nele se realiza o que muitos filósofos procuravam. A Ideia, o Motor imóvel, o Bem, o Absoluto se faz realidade, história, amor e proximidade. Evidentemente, Deus permanece mistério quando se revela. Sua revelação não o desnuda. Não o empobrece. Temos acesso ao mistério revelado. É mistério e revelação, simultaneamente.  

Jesus é, de fato, o novo Adão. Pois, se o primeiro homem se escondeu da proximidade de Javé porque tinha pecado (cf. gn 3, 10) em Jesus não só revela o Pai, mas que se entrega, confiantemente, a sua vida. Porque me abandonaste? Esse grito ratifica a humanidade de Jesus e revela sua entrega total nas mãos de Deus. Jesus não teve medo de se revelar. O medo aponta para o pecado. Cada vez que pecamos queremos nos esconder.  

Maria não teve medo do anjo. Ela o interrogou. Então, a verdadeira vocação implica em dúvidas. Depois da saudação do anjo ela ficou intrigada com as palavras. Pôs-se a pensar o significado da saudação. Veja o que diz o anjo: “Não temas, Maria!” (Lc 1, 30). E mesmo o anjo dizendo que ela encontrou graça diante de Deus e que conceberia o Filho do Altíssimo ela indaga como se faria isso. Ela não conhecia homem algum. O anjo afirma ser pela obra do Espírito Santo. Ele, ainda, fala de Isabel que conceberá um filho na velhice confirmando que para Deus nada é impossível.

Com isso, Maria inaugura o projeto de Deus. A segunda Aliança começa. Jesus é a nova Aliança. O homem não assumiu Deus, mas Jesus assume o ser humano. Ele é a nova Torah. Nele toda a Lei entra no seu clímax. Agora, é o amor que rege as atitudes. A Lei é resumida no amor a Deus e ao próximo (cf. Mc 12, 29-31). A verticalidade e horizontalidade se cruzam na cruz de Jesus dando sentido a realidade humana. O amor ao próximo confirma o amor a Deus. E o amor a Deus se concretiza no amor ao próximo. A partir desse momento não podemos mais dar desculpas a respeito de quantas vezes devemos perdoar. Não mais sete, mas setenta vezes sete, ou seja, infinitamente (cf. Mt 18,21-22). Todos são incluídos na Casa (cf. Lc 6, 8). O vinho novo não acabará (Jo 2, 7-10). As bodas poderá começar, pois o Noivo já está à porta. “Saí ao seu encontro!” (Mt 25, 9).

O sim de Maria não foi dado na emoção de um momento. Ela teve que sentir a espada de dor atravessando em seu peito (cf. Lc 2, 35) desde o nascimento (cf. Mt 2, 13-18) até a morte (cf. Jo 19, 25-27). De fato, Jesus é o Emanuel. Ele é conosco (cf. Mt 1, 23). Vive entre nós (cf. Lc 24, 13-33). Sua presença é constatada na partilha do pão. Nós afirmamos ou negamos sua presença quando partimos o pão ou o retemos. Jesus nos exorta: “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14, 16).

Todos esses feitos de Jesus têm por base o sim de Maria. É incalculável os efeitos de um sim. “Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai” (Lc 1, 32). Onde estava a grandeza de Jesus quando estava sendo perseguido por Herodes (cf. Mt 2, 14)? Onde estava sua filiação divina e seu trono quando exclamou: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46). Pois, “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar! Rei de Israel que é, que desça agora da cruz … Já que disse: Eu sou filho de Deus” (Mt 27, 42-43).

O anjo disse que para Deus nada é impossível. Certamente Maria acreditou nisso, pois, “conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração” (Lc 2, 51). Aqui temos uma ideia como era Maria. Silenciosa, contemplativa, inteligente e prudente. Também corajosa. Determinada. Maria não era levada palas emoções. Sua fé a fortificava e lhe dava sabedoria ante os fatos.

Bem, onde estava a grandeza de Deus? Qual os sinais que Maria poderia presenciar Deus em sua vida? Seu sim tinha sentido? Sua fé era em vão?

A grandeza do Menino foi ratificada na visita dos magos (cf. Mt 2, 1-12). Seus presentes confirmam as palavras do anjo, a saber: ouro, incenso e mirra. Ou seja, Jesus é rei, Deus e homem. Na cruz o centurião, afirma: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus” (Mc 15,39). O Pai responde ao Filho ressuscitando-o: “Diz-lhe Jesus: ‘Maria!’. Voltando-se, ela lhe diz em hebraico: ‘Rabbuni!’, que quer dizer: ‘Mestre’” (Jo 20, 16). Agora ele deve ser ouvido porque é Mestre.  

Maria Madalena vê Jesus num jardim representando o Paraíso. Pois, se no jardim Deus foi negado, agora Deus é reconhecido. Não há fuga. Não há medo. Agora é vida nova. Novo tempo que se inicia com o sim. Se quisermos ser da família de Jesus temos que fazer a vontade de Deus (cf. Mt 12, 50). E não mais as leis, somente. Maria, sua mãe, foi grande e as gerações a louva porque se fez pequena (cf. Lc 1, 48).

Há, portanto, uma distância entre o sim de Maria e o nosso sim. Sic et non (sim e não). Nosso sim é duvidoso? Circunstancial? Medroso? Mesquinho? Ou é firme, generoso e corajoso? Os méritos de Maria é ter colaborado na instauração do Reino de Deus. Contudo, o Reino continua e precisa de nossa ajuda. Pois, ele é para nós e, por isso, compete a nós. O projeto de São Luís Orione nos convida a Instaurare omnia in Christo. Tal sim atravessa os passos de Maria, da dor a alegria da ressurreição. Estamos ao lado de Maria a nova Eva para a nova criação ou estamos ao lado de Eva e a serpente presos na escravidão? Em Cristo o novo Adão e em Maria a nova Eva constituímos o novo tempo de graça. Confiemos neles, pois o Emanuel é Deus-conosco.   

  

REFERÊNCIAS

 

CARRARA, Paulo Sérgio. Elevatio entis ad Patrem: a oração de Jesus e do cristão à luz do mistério pascal na teologia de Francois-Xavier Durrwell. BH: O Lutador, 2014.

Bíblia de JERUSALÉM. Paulus, 2012.

 

   

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