SALOMÃO: A VOCAÇÃO DE UM SÁBIO

 

Deus, na sua grande sabedoria, sempre  contou com a participação dos homens para concretizar seus propósitos de instaurar no mundo o Reino de paz e de amor. Grandes personagens da história foram protagonistas de missões maravilhosas em todos os tempos.

Podemos elencar uma porção de santos e sábios que serviram à causa do Reino e seguiram a voz de Deus em seus corações. Fizeram grandes sacrifícios, ofertaram suas vidas e muitos mesmo sofreram o martírio. A História da Igreja, bem como a história da humanidade estão repletos destes grandes heróis da caridade, da justiça e da profecia. Nomes que ilustram nossas páginas sagradas da tradição cristã e que iluminam o paraíso divino. Na Bíblia, muitos destes nomes são citados como grandes e sábios profetas e servidores de Deus na libertação do povo e mais ainda na condução do povo na sua trajetória secular. Entre tantos, destacamos a vocação de Salomão, convidado por Deus para servir a comunidade, depois de um período de guerras protagonizado por Davi, na reconquista da Terra de Canaã. A vocação de Salomão é um capítulo nobre da história do povo hebreu na sua organização social e religiosa, depois do grande exílio no Egito.

A VOCAÇÃO DE SALOMÃO

Salomão  foi convidado para governar o povo de Israel e dirigiu o povo com grande dedicação e justiça. Em nossos tempos, quando a vocação de governância se encontra em grande crise e desprestígio, devido ao mal comportamento de nossos chefes e líderes políticos, o exemplo de Salomão pode ser estímulo para retomarmos o caminho da decência político e social.

Salomão foi o terceiro rei de Israel, posterior a Saul e Davi, que organizaram politicamente a comunidade depois que os patriarcas pós-exílio do Egito, foram extintos. Governou por longos anos e por quase quatro décadas foi acolhido pelo povo como um “pai espiritual”, que tinha grande respeito por todo comunidade. Depois que Davi organizou politicamente o povo hebreu, vencendo as nações inimigas (basta recordar da luta entre Davi e Golias, que era filisteu), Salomão organiza a vida social, cultural e sobretudo a vida religiosa da comunidade.  Recordamos que ele construiu o primeiro grande templo em Jerusalém.

Conhecido como o rei “amado pelo Senhor” pelo profeta Natã (2Sam 12, 25), foi convidado por Deus  para governar a comunidade. É o símbolo da vocação fiel de um governante. Salomão, cujo nome se aproxima da raiz “shalom”, vem para trazer a paz ao povo, num tempo de guerras e perturbação no final do reinado de Davi.  Nem mesmo a família de Davi foi capaz de encontrar um líder capaz de trazer a paz ao povo que se encontrava instalado na Terra Prometida. O próprio rei Davi permite a ascensão de Salomão ao trono, depondo seu filho Adonias e cumprindo a promessa feita pelo rei (1Cr 22, 9.10). Foi coroado muito jovem e cumpriu com devoção sua tarefa de governar o povo, mesmo que tivesse que vencer seus opositores. Cumprindo seus votos a Deus, Salomão organiza a vida cotidiana de Israel e promove a paz e a justiça por longos anos. Sua vocação é modelo para os governantes de todos os tempos.

 

AS INSPIRAÇÕES DA VOCAÇÃO DE SALOMÃO

Para governar seguindo os desígnios de Deus, Salomão se pauta por ensinamentos do profeta Natã e de outros representantes religiosos, que iluminam suas atitudes.

A marca registrada de seu governo é a sabedoria. De fato, quando a rainha de Sabá se apresenta diante de Salomão, faz-lhe uma sabatina, para comprovar sua habilidade em governar:

O texto bíblico conta que “a  rainha de Sabá, tendo ouvido falar de Salomão e da glória do Senhor, veio prová-lo com enigmas.Chegou a Jerusalém com uma numerosa comitiva, com camelos carregados de aromas e uma grande quantidade de ouro e pedras preciosas. Apresentou-se diante do rei Salomão e disse-lhe tudo o que tinha no espírito. ( 1Rs 10, 1.2).

A vocação de Abraão revela sua grande sabedoria, pois ele quer exercer o poder praticando o bem e organizando a vida social do povo de Israel. A rainha compreende a sua vocação, quando afirma « bem-aventurados os teus homens, bem-aventurados estes teus servos, que estão sempre diante de ti, que ouvem a tua sabedoria! »

A rainha de Sabá é a interlocutora estrangeira para explicitar a vocação e os dons de Salomão. Diante das respostas do Rei, fica impressionada, pois suas respostas foram todos profundamente claras, evidentes e sem vacilações. Diante desta grande manifestação de sabedoria, a rainha de Sabá conclama : «Bendito seja o Senhor, teu Deus, a quem aprouve colocar-te sobre o trono de Israel. Porque o Senhor amou Israel para sempre, por isso constituiu-te rei para governares com justiça e equidade”. (1Rs 10, 9). Salomão torna-se o modelo histórico de um governante sábio e justo, capaz de estabelecer um reino de paz e prosperidade. Por esta razão, ele é presenteado com tantas especiarias, pedras preciosas e muito ouro. Estas ofertas são simbólicas para manifestar a consideração pela realeza. Basta lembrarmos que são semelhantes as oferendas do « reis sábios » a Jesus, como encontramos nos relatos de Lucas.

TESTEMUNHOS DA SABEDORIA DE SALOMÃO

A vocação do grande rei sábio se revela como exemplo para todos os povos e pode inspirar os governantes em nossos dias.

Primeiramente, consideramos que o rei  Salomão era temente a Deus e procurava seguir os mandamentos divinos. Ele temia a Deus e tudo fazia para agradar seu Senhor e bem sabia que o que agrada a Deus é a justiça, a simplicidade e a humildade. Esse grande rei “amava Yahweh, o Nome do Senhor, o que demonstrava mediante suas atitudes e modo de andar de acordo com as orientações do seu pai Davi. (1 Reis 3, 3). Sempre procurou obedecer as instruções dos sacerdotes e as leis divinas contidas na Torá, seguindo os mandamentos proferidos por Moisés. O rei Salomão reconheceu o temor e a obediência a Deus, como motivação para governar com humildade e com devoção. Sentia-se um servo de Deus e não um senhor onipotente e poderoso. Sabia que seu poder era um dom divino em sua vida. A fé integra e verdadeira o inspirou no caminho da sabedoria.

Em segundo lugar, Salomão governava para honrar o nome de Deus. Como ele era um representante de Deus diante do povo, suas ações buscavam engrandecer o nome de Deus e elevar sua glória. Ele bem sabia que o nome de Javé seria exaltado pela sua capacidade de bem governar. Portanto sua vida fiel e íntegra torna-se motivação para seus súditos.  Nunca lhe faltou os meios para cultuar o nome de Deus.  Por isso, ele foi a “Gibeom para oferecer sacrifícios, uma vez que naquele monte se encontrava o principal lugar sagrado, e ofereceu naquele altar mil holocaustos”.  Foi neste lugar que Deus lhe anuncia para pedir o que quiser e Ele pede sabedoria e não riquezas (1 Reis 3, 4-5).

Finalmente, Salomão agrada o povo, pois todos reconhecem sua grandeza de espírito, uma vez que busca a justiça e a igualdade para todos os cidadãos. As obras do Rei Salomão e suas atitudes diante do povo revelam seu temor a Deus e este temor se transforma em serviço para seus súditos.

 

MOMENTOS GLORIOSOS E DECADÊNCIA

 

A rainha de Sabá veio de muito longe para conhecer a sabedoria deste grande rei (1Rs 4, 34) e o próprio Jesus cita esta passagem para elevar o rei sábio (Mt 12, 42).

No final de seu reinado, muitos anos após o encontro com a Rainha de Sabá, Salomão descuidou-se de sua fidelidade a Javé e aproximou-se de deuses estrangeiros, para conquistar mais poder. Estes deslizes o levaram à decadência, pois perdeu a virtude da fidelidade e para agradar os inimigos desviou-se do caminho da justiça.

Ficou distante o tempo da sabedoria, da descoberta da verdadeira mãe diante do enigma da maternidade, do respeito ao profeta de Deus e dos presentes da rainha de Sabá. Também com estes dados aprendemos muito da vocação. Ela não pode ser deteriorada pelos interesses pessoais. Salomão poderia ter terminado seus dias em plena glória, sem manchar sua reputação, pois seus últimos anos de reinado foram decadentes. Devemos servir sempre e não agarrarmos ao poder como fonte de privilégio e de interesses pessoais ou oligárquicos. O triste exemplo de governantes que estão vivendo na opulência há décadas nos faz pensar em Salomão. Se não souberem desligar-se do poder, quando não estão mais servindo, suas lembranças serão amargas para a posteridade.

Salomão ainda conservou seu prestígio de grande governante, pois se converteu e voltou para Deus. É preciso praticar a profissão, toda e qualquer profissão, sem jamais esquecer o sentido da vocação. Toda tarefa ou serviço humano deve servir ao bem comum e à própria santificação.

 

VOCAÇÃO DA GOVERNÂNCIA

 

Todas as profissões devem ser inspiradas em verdadeira vocação. Salomão é o testemunho vivo desta proposição. Quando exercemos a profissão com o intuito de lucrar e explorar os irmãos, não produzimos o bem para a comunidade. Vemos profissões da política que se enriquecem e o povo permanece na miséria. Não são vocacionados, são mercenários. Temos muitos exemplos de líderes religiosos que vivem na opulência, esbanjando luxo e luxuria e seus seguidores sendo ludibriados e empobrecidos, com pesados dízimos. Corremos o risco de transformar a vocação em profissão e não produzirmos o bem para os irmãos. Esta profanação da vocação tem gerado miséria e ignorância na sociedade.

Salomão é o governante sábio que nos ensina que todas as profissões devem ser exercidas com dedicação e devoção, para fazer o bem para os irmãos. Salomão governou com sabedoria e promoveu seu povo. Que a vocação dos governantes não sejam simples profissão para lucrar e enriquecer. Que Deus nos mande governantes que se dediquem ao bem comum e nunca ao bem pessoal e de suas confrarias. A vocação de Salomão continua sendo fonte de inspiração.

 

 

Prof. João H. Hansen – Pe. Antônio S. Bogaz

Co-autores do Filme : Zilda Arns, a via sacra da solidariedade