Ressurreição: a resposta do Pai ao abandono de Jesus

 

Na Páscoa acontece a clímax da comunhão de Jesus com o Pai. Se na Paixão Jesus reclama da ausência de Deus, no primeiro dia da semana Jesus é re-erguido (glorificado) pelo Pai. “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Esse grito não é, contudo, de desespero. Significa que a aqui o Filho chega a máxima entrega de sua missão. É a consumação de toda a sua missão de mostrar que Deus é Pai. Por isso, assume o sentimento de está só ante o sofrimento, isto é, o Pai e o Filho se distinguem radicalmente na cruz. Nesse momento teológico ocorre a manifestação Trinitária no evento Pascal. “‘O Pai concede morrer, o Filho morre, o Espírito é o santo morrer, ele que é Espírito de vida’” (DURRWELL apud CARRARA, 2014, p.220).

A morte de Jesus, é sem dúvida, a prova do amor de Deus pela humanidade. “A cruz representa nela a radicalidade do amor que se entrega sem reservas […]; ela é a expressão de uma vida que é totalmente ser para os outros” (RATZINGER, 2012, p.209). Em Jesus o Pai assume o humano quando justamente o abandona. De fato, “o amor nos deixa livres e disponíveis” (MELLO, 2009, p. 45). É na cruz, símbolo máximo do amor, que experimentamos o mistério profundo da presença-ausência de Deus. Por isso, “Maria Madalena, quando estava no sepulcro, nem mesmo nos anjos reparou” (CRUZ, Obras Completas, 2002, p. 551). A Ressurreição, portanto, é a glória do Servo sofredor.

Ora, na cruz Jesus se torna maduro diante da tentação de querer um Pai onipotente. “O deus infantil é onipotente; o Deus de Jesus não é todo-poderoso: é um Deus débil, porque é amor” (ARAÚJO, 2014, p.234). Se Deus Pai “salva” Jesus da cruz deixa à mercê a salvação, dom gratuito, fruto do amor. Por isso, Jesus salvou a muitos, mas a si mesmo não podia salvar-se. É a fraqueza do amor que manifestar-se-á no poder da ressureição. “A outros salvou, que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito” (Lc 23, 35). Certamente o messias dos chefes e dos soldados se salvaria. Tinham, portanto, uma imagem de Cristo e de Deus infantil e covarde. “O Deus cristão é onipotente sim. Mas a sua onipotência é a onipotência do amor” (ARAÚJO, 2014, p.236). Nesse sentido, observa o papa Francisco citando Tomás de Aquino que: “‘É próprio de Deus usar de misericórdia e, nisto, se manifesta de modo especial a sua omnipotência’” (Misericordiae Vultus, 2015, n.6).

O Deus de Jesus é fraco porque é Amor. O amor “é um verdadeiro grito pelo infinito”. A Ressurreição, por sua vez, “é a força maior do amor diante da morte” (RATZINGER, 2012, p.223). Só amando podemos ser livres ante nós mesmos e aos outros. Mesmo sendo Rei seu reinado é construído não pela força, mas pelo amor contagiante. Porque a força nega a liberdade e a responsabilidade e, por isso, aliena. O amor confirma a pessoa e entrega-a em suas próprias mãos. Jesus foi maduro porque não se apegou a si mesmo. Pois, sendo Deus pode experimentar em si a kénosis para ser enchido de vida nova (cf. Ef 2,1-11). É a Páscoa da liberdade como graça dada e recebida. A Páscoa de Jesus é fruto da sua entrega a humanidade.

A Ressureição, concomitantemente, é a resposta do Pai à pergunta ignorada da Paixão. A ressurreição se distingue da cruz, mas não se separam porque morte vida se implicam. Deus o abandou a si mesmo porque é Pai. “O Pai o entrega enquanto Pai, ou seja, gerando-o no mundo através da morte para a salvação da humanidade” (CARRARA, 2014, p.236). A ressurreição é a ligação livre do Amor entre o Filho e o Pai. Agora, Jesus ressuscitado pode banquetear, aparecer e desaparecer com plena autonomia (cf. Lc 24, 30-32; Jo 21,12-14).  

Quem salvou não se salvou, mas foi salvo. Essa é a correspondência do amor porque o amor é recíproco. É um contínuo para. Assim, ele pode dizer: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). Noutras palavras, Jesus dizia que seus algozes eram cegos “vendo”, surdos “ouvido”, paralíticos “andando” e mortos “vivendo”.

Mesmo sem beleza e esplendor, desprezado e abandonado “eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele carregava” (Is 53, 4). Esse é o símbolo da encarnação, pois Jesus assumiu de fato nossa humanidade. Ele mesmo sendo a Palavra criadora do humano é humano em si mesmo. O Pai é a fonte da vida, o Filho é o Caminho verdadeiro da Vida (cf. Jo 14, 6).

A morte de Jesus foi, de fato, sinal vivo e histórico da encarnação do Filho. Ele sentiu o sofrimento humano realmente, a saber: “‘Minha alma está triste até a morte’” (Mt 26, 38). A morte era irreversível porque sua Hora havia chegado. Jesus ora: “Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice: contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26, 39). Aqui revela a maturidade filial entre Pai e Filho. “Quem tem fé, não tem pressa, sabe esperar a hora da Providência. Os tempos estão nas mãos do Senhor!” (DOM ORIONE, Pérolas, 25 de março). A Hora da Providência é o dia da Ressurreição. Dom Orione entende, pois, a fé como força Pascal.  

Nesse sentido, temos Jesus sentado no meio dos doutores sem se perder (cf. Lc 2,46-50). Jesus cortou o cordão afetivo da mãe sem negá-la (cf. Jo 2, 1-12;19, 26-27). Porque sendo Filho confiava no Pai como sua fonte geradora de sentido filial e missionário (cf. Lc 3, 21-22). Foi, com isso, banhado de unção. É o Cristo (Messias) (cf. Mc 8, 29). Sendo Jesus o Amado (Filho) do Amante (Pai) foi guiado pelo Amor (Espírito Santo) ao deserto. Foi fiel, pois, sendo Filho de Deus não mandou, não transformou e não adorou porque sua fome não era somente de pão (cf. Lc 4, 1-8).

Assim, é o Amor que fortalece no deserto. É o Amor que une o Amado ao Amante. “A vida interior de Deus é o amor recíproco eternamente livre” (STEIN, 2013, p.367). É o Amor que lhe dava força para espalhar em toda região a Boa Nova: Deus é Pai e ama sempre (cf. Lc 15, 1-32). Sua missão enquanto Cristão (ungido) é proclamar a paternidade de Deus aos pobres, presos e cegos (cf. Lc 4, 8-19). De modo a enriquecer, libertar, iluminar e decretar um ano da Graça do Senhor. O Pobre Zaqueu ficou rico porque dividiu (cf. Lc 19, 1-10). Multiplica quem divide (cf. Lc 9, 12-17). Entretanto, o pobre jovem que não se libertou diante da verdadeira riqueza preferiu ficar na provisoriedade e na tristeza do que na alegria da liberdade (cf. Lc 18,18-23). 

Jesus também chamou seguidores (cf. Lc 5, 1-11), mas nem todos foram discípulos a escuta atenciosa (cf. Jo 12, 4-5). Jesus propôs discípulos-missionários (cf. Lc 10, 1-16), mas, de novo, nem todos que disseram sim foram (cf. Mt 21, 28-32). Alguns que foram não viram o próximo e prosseguiram (cf. Lc 10,29-32), porém o terceiro excluído (um Samaritano, de sangue misturado e, portanto, impuro) “chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se (porque era seu próximo), cuidou de suas chagas (v.33-34). Assim, Jesus é o Bom Samaritano (O impuro) e próximo (O chagado). E nós quem somos? Jesus estabelece, portanto, o Reino dos pobres, dos famintos, dos que choram e dos perseguidos (cf. Lc 6, 20-23).

Quem segue Jesus não pode confundi-lo com um zelota (guerrilheiro messiânico), “pois todos os que pegam a espada pela espada perecerão” (Mt 26, 52). Jesus, contudo, é mal exemplo para os “santinhos”. Ele é “um sinal de contradição” (Lc 2, 34). Pois, Ele é amigo das mulheres, dos estrangeiros, dos ricos e dos pobres. É ainda, luz, água, pão, bom pastor, rei, mestre, solitário, companheiro das crianças é caminho, verdade e vida (cf. GRUN, Jesus e suas dimensões, 2010). Ou seja, Jesus ressuscitado é incontrolável, “indizível”. Isso é perigoso. Contudo, “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34). 

De fato, “o Deus de Jesus é um ‘escândalo’ (1Cor 1,23) (ARAÚJO, 2014, p.234). Mas, constata Pedro que este homem que “vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios, Deus o ressuscitou” (Atos 2, 23-24). A cruz de Cristo é o sinal frustrado do desejo sano dos judeus e da sabedoria lógica dos gregos. É o paradoxo do amor que sabe ser fraco quando quer ser forte. Por isso, nós “anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus, é escândalo, para os gentios é loucura” (1Cor 1, 22).

Cristo ressuscitado é, em suma, poder de Deus e sabedoria do Pai. Deus pode, e porque Deus é Pai sabe que a loucura da cruz é sabedoria e a fraqueza, força. Só quem ama conhece esse mistério porque “Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4, 8). A sabedoria, de fato, foi revelada aos pequeninos (cf. Mt 11, 25-27). Um Deus misericordioso só pode ser fraco (cf. Lc 6,36). A resposta do Pai no domingo ilumina a sexta e re-liga o Pai ao Filho e, com este, toda a humanidade. De modo que não estamos sozinhos. Cristo crucificado-ressuscitado é nossa esperança! Aleluia! Ele vive para sempre! O Pai responde. É tempo de espera. “Mulher, por que choras? A quem procuras?” (Jo 20,15).     

Cl. Renaldo Elesbão de Almeida – 3º ano de teologia