Pentecostes: a construção da Igreja

 

O Espírito Santo é a construção do Reino de Deus no mundo. Ele sendo o amor do Pai e do Filho é o elemento fundante da Igreja. É o fogo abrasador que arde no íntimo dos corações. Ele é a força de Deus em nós. A Igreja é construída, ininterruptamente, sobre a graça santificante do Espírito. “O Espírito faz a Igreja porque produz a comunhão” (COMBLIN, 1987,p.125). Viver o Pentecoste é fazer experiência de saída missionária (cf. EVANGELII GAUDIUM, 2013, n.20-21ss).

O Espírito de Jesus é a manifestação de sua presença entre nós. Jesus é a oração eterna ao Pai, o Espírito é o gemido inefável. “O Espírito Santo é oração, é desejo (cf. Rm 8,23-26), ele faz gritar Abba! Pai!” (DURRWELL apud CARRARA, 2014, p.293). Jesus entrega na cruz toda a sua vida e com ela seu Espírito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Porque o Espírito procede do Pai e, na cruz do Filho. Ele é o Dom de Deus a nós. É a comunhão intradivina que inflama os nossos corações. Nele formamos comunidade cristã. Segundo Comblin a Igreja é a experiência do Espírito (cf. COMBLIN, 1987, p.124). Assim, a comunidade cristã é uma comunidade pneumatológica, ou seja, plena do Espírito. É uma comunidade onde todos falam porque são livres. A Participação é o sinal sacramental da presença do Espírito de Jesus.

A ação eclesial é, dessa maneira, um valor personalista porque “o homem vive ‘junto com outros homens’; na realidade, podemos chegar a dizer que existe junto com outros homens” (WOJTYLA, 1982, p.306). Assim, a convivência tem sentido na coexistência. Sendo o homem indivíduo pessoal possuem em si a abertura para si mesmo, subjetividade e para fora de si mesmo, intersubjetividade. Karol Wojtyla propõe, por isso, a Participação como momento da manifestação da pessoa em ação. Pois, “actuar ‘junto com outros’, isto é, participando, descobre uma nova dimensão enquanto pessoa” (WOJTYLA, 1982,p.305).

O valor personalista humano repousa sobre o valor divino intrapessoal. De modo que ser cristão é ser caminhante, pois é “aquele existir em conjunto com os outros que chamamos Igreja” (RATZINGER, 2012,p73). Somos “como pedras vivas, prestai-vos à construção de um edifício espiritual” (1Pd 2,5).   

Contudo, o Espírito não tem rosto porque opera no interior das coisas sustentando, transformando e vivificando. Ele é o fruto da relação do Pai e do Filho, é um presente. É a vida interior de Deus. A evangelização, com isso, é caminho sobre o mar. É o Espírito quem sustenta e promove a evangelização. Quem evangeliza experimenta mar, praia e terra: ele chamou junto ao mar (cf. Mc 1,16); “Logo em seguida, forçou os discípulos a embarcar” (Mt 14,22); e caminhando sobre o mar convida: “Vem” (Mt 14,29); e novamente convida: “Vinde comer!” (Jo 21,12). Se fosse construção humana ela estaria sofre a terra firme, somente. O Espírito, na verdade, é a força missionária (cf. Lc 4,18-19 e Atos 1,8).

É na instabilidade do mundo que a Igreja de Jesus é construída. Por isso, Ela é invencível e aberta ao mundo. “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Ou seja, a Igreja é feita sobre nós e não sobre o mar. Por isso, os discípulos “vendo que caminhava sobre o mar, ficaram atemorizados” (Mt 14,26).

O Filho de Deus se encarnou e daí em diante o homem se torna divino. Descida do Verbo e subida de Jesus constituem nossa redenção. A encarnação começou na criação do mundo e tem seu ápice no homem. O ser humano é, de fato, Templo de Deus. Em Jesus, o Verbo divino, Deus faz morada em nós. Já não há duas histórias uma divina outra profana, mas uma mesma história: a história antrodivina. Deus e homem se encontram em Jesus. “Jesus é o ícone do Pai” (DANTAS, 2013, p.71). O Espírito é o rosto de Jesus como Jesus é o rosto do Pai. Assim, ele procede do Pai e do Filho.  

Mas, o Espírito sopra onde quer (cf. Jo 3,8). Não controlamos o Rosto de Jesus. Não possuímos o Espírito de Jesus. É ele que nos envolve. O sinal sacramental da figura de Jesus em nós é seu Amor. Por isso, Jesus nos deu um novo mandamento, a saber: “que vos amei uns aos outros. Como eu vos amei” (Jo 13,34). Jesus vive naquele que ama. Seu Amor é uma pessoa: o Espírito Santo. A Igreja não possui o Espírito Santo. É o Espírito que possui a Igreja. Por isso, outras igrejas e religiões são possuídas pelo Espírito de Jesus. O Espírito Santo é a empatia de Deus cujo Verbo se expressa na relação intercultural no viés do diálogo. É o Espírito, o Amor, que movimenta a relação do Amante (Pai) ao Amado (Filho) (cf. Lc 3,22).

Ele abre o céu à terra e a terra ao universo. Ele é a fecundidade do Pai que gera eternamente o Filho para si mesmo e para o mundo (cf. Jo 1,1; Lc 1,28). Nele a relação entre Pai e Filho assume caráter Uno e Trino porque evidencia a alteridade divina entre Deus e o seu Filho. Uma só Substância em três Pessoas para si mesmo e para nós. A Trindade, assim, é revelação velada porque é pessoa, seu mistério é fonte de luz acessível e inacessível.  

Jesus ressuscitado é sem fronteiras. A evangelização, por sua vez, é antecipada pelo seu Amor misterioso. “Um olhar de fé sobre a realidade não pode deixar de reconhecer o que semeia o Espírito Santo” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, n.68). Pois, onde quer que reine o Amor, Deus aí está. Deus mora onde mora comunhão, liberdade, participação, enfim, onde o ser humano é mais humano.

A missão do Espírito é a cristificação do ser humano e de todo o cosmo (cf. Ef 1,13-14). Enfim, plasmar em nós a imagem de Cristo Jesus. Como o Espírito fecundou Jesus na humanidade, assim, também Ele deve gerar os homens na vida dos homens. Jesus é a mão do Pai, o Espírito é o trabalho das mãos do Pai e do Filho. O cristianismo é, assim, um contínuo e profundo nascimento para a realidade humana. Assumir a própria história com seus limites é a santificação do homem.

O santo é o homem encarnado na história pessoal e comunitária. Não age somente por si mesmo porque nele mora a Voz do Pai. A graça mística é “a presença de Deus em nós” (STEIN, 2013, p.457). O Filho é a Palavra, o som da Palavra é o Espírito Santo. “A toda a terra chega seu eco, aos confins do mundo a sua linhagem” (Sl 19). A Igreja é santa quanto reconhece e vive a Voz de Deus. O Espírito é a força da vida e da comunhão de Deus na existência do homem. Ele é a abertura da relação entre o Pai e o Filho. Com isso, Ele promove a passagem ininterrupta do amor recíproco ao amor circular. A Trindade é, desse modo, a reciprocidade circular cuja relação abarca todo o humano e todo o universo. “Recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a Samaria, a até os confins da terra” (Atos 1,8).

É, em suma, o Espírito que dinamiza a relação mediadora entre Pai e Filho. Ele promove a unidade gerando a comunhão das pessoas divinas e ao mesmo tempo a distinção numa mesma substância. Deus é pessoa porque é pura relação. Daí que “A fé cristã não é uma ideia, ela é vida; ela não é um espírito que existe para si mesmo, ela é encarnação, é espírito no corpo da história e do nós que está implicada nela” (RATZINGER, 2012, p. 73). “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5).

O Amor é o elemento unitivo entre nós e Deus. Deus mesmo é amor. “Esta fórmula significa não somente que Deus ama, mas que Deus é amor; não se trata de uma formulação descritiva, mas ontológica” (DANTAS, 2013, p.229). E no amor não há coesão, mas um contínuo dar-se porque o Amor é dom. O mundo humano é frágil porque é instável, é histórico. O mandamento do amor não é uma obrigação externa, mas interna porque ele é o Fogo abrasador interior. É impossível não amamos, pois Ele, também é nossa natureza ontológica.

A Igreja é a comunidade reunida em torno da Palavra de Jesus, seu Amor. “O próprio mistério da Trindade nos recorda de que somos criados à imagem desta comunhão divina, pelo que não podemos realizar-nos nem salvar-nos sozinho” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, n.178). Eu, outro e cosmo são objetos implicantes do projeto salvífico. “Toda criatura traz em si uma estrutura propriamente trinitária” (LAUDATO SÍ, 2015, n.239-240). O templo físico e o hierárquico sinaliza a encarnação do Espírito Santo entre nós. A Igreja, em suma, é o rosto de Cristo, o rosto de Cristo se manifesta no Espírito Santo. Onde reina o Amor, Deus aí está!

Cl. Renaldo Elesbão de Almeida