Segredos do Coração

SEGREDOS DO CORAÇÃO

FLORES PARA NOSSOS FALECIDOS

 

  • Acho que não vamos viajar, nos disse o Seu Lincoln, depois da missa.
  • Porque, como assim, não viajar? Não está tudo pronto, tudo preparado?

A Dona Silvia queria falar, mas não sabia bem o que dizer. Preferia não decidir e seu olhar vagueava, como se buscasse luz nos olhares que a olhavam, querendo decidir, mas sem nada dizer, como se as respostas viessem do vento. Sim, quando falamos que a resposta está no vento, queremos dizer que a verdade está no silêncio, na alma e na inquietação do coração.

  • Viaja sim, é melhor viajar. Tudo pode acontecer.
  • Sim, disse o Seu Lincoln, mas minha irmã está muito doente, muito doente. Ele foi uma mãezinha para mim. Ela me carregou no colo quando menino, uma verdadeira mãe.
  • Decida, disse Dona Silvia, não podemos decidir por você.

Poucos dias depois, a Adelina faleceu. No olhar dos filhos, Rafael e Daniel, mais que dor, a gratidão. Somente um grande afeto suaviza uma despedida, pois a ausência da pessoa querida é suavizada por sentimentos elevados.

– Contamos ou não para o papai? essa foi a discussão da Aline, do Eduardo e do Guto. Um pequeno dilema familiar. Meu Deus, todos nós temos nossos pequenos dilemas. Somente o diálogo ajuda a resolver, aumentando os laços afetivos dos lares.

– Não, não vamos contar. De tão longe, que poderão fazer? Deixemos que terminem a viagem. Quando voltarem, ficarão sabendo.

Voltaram, Sr. Lincoln e Dona Silvia. Ficaram tristes com a notícia. Triste por não terem visto a irmã ainda em vida, muito tristes. Mas foram logo ao cemitério para dar seu abraço espiritual.

Recordamos de um esposo viúvo que visitava os filhos espalhados pelas cidades e sempre voltava ao cemitério para contar sobre eles para sua esposa. Conversava com ela e contava tudo em detalhes. Não era louco, sabia que ela não ouvia, mas tinha suficiente fé e afeto para entrar em comunhão espiritual com ela. Nada de regressões, nada de reencarnação, apenas a comunhão espiritual. Creio ser isso que a Igreja chama de comunhão dos santos.

Muitas vezes buscamos esta comunhão espiritual com nossos falecidos. Ouvimos velhas canções comuns, fazemos os quitutes deliciosos que eles apreciavam, acariciamos objetos que lhes pertenciam e, em ocasiões especiais, visitamos seus túmulos. Nada de tétrico; é saudável sentir a presença espiritual daqueles que amamos e que estão do outro lado do rio da vida. Ficamos mais serenos, reavivamos os sentimentos mais profundos e recuperamos a vigor da vida. Os filhos recordam os ensinamentos dos pais, os amigos rememoram os momentos alegres. Como se dissêssemos: “Você é muito importante para mim. Você ainda faz parte da minha vida”.

Não podemos sucumbir. Já vi mães enlouqecerem a perda de filhos, já vi irmãos ficarem descrentes quando sofreram uma tragédia. Não é assim, devemos pensar nos que ficaram e em memória dos que partiram seguir a vida com coragem e serena alegria. Em nome dos falecidos, somos convidados a bem viver.

Os cemitérios estão cheios, Muitas flores são colocadas nos túmulos. Podem ser pedrinhas, podem ser raminhos verdes, mesmo imagens; coisas enfim que expressam nossos sentimentos.  Os primeiros cristãos colocavam comidas sobre os túmulos e até faziam uma refeição. Chamava-se refrigerium. Celebravam a Eucaristia, com o pão e o vinho, para reviver a fé em comum. Dizem que no México, no dia dos mortos, comem-se bolos muito doces e coloridos, para apaziguar a dor. Uma junção datradição cristã com a tradição dos indígenas. Até fazemos estátuas, acendemos velas. Coisas que falam de nossa fé e de nossos sentimentos,

Conversamos com o Sr. Lincoln. Todo bem que devemos fazer para as pessoas  fazemos a vida inteira. Devemos estar próimos, visitar os amigos, partilhar momentos felizes, estar ao lado nas dores e nas tristezas. Dona Silvia concordava sorrindo e bem contente. Tinham vivido momentos bons e nem sempre podemos estar ao lado das pessoas nas suas “passagens dolorosas”. Mas, como se ousa repetir, nos momentos de ausência, alimentamo-nos com a cordialidade dos convívio fraterno. Mas sempre voltamos e, para quem crê, mesmo depois da morte, continuamos a nos reencontrar para reviver sentimentos.

  • Eu sempre vou buscar motivos para encontrar minha irmã, pois ela não me sai do pensamento. Ela continua sempre presente.

Acho que foi por isso, que hoje vimos o nosso amigo atravessando os túmulos do cemitério.  Não conseguimos ver muito bem. Caminhavam silenciosos na multidão. A Silvia tinha um bouquet de flores na mão.

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita) , doutor em filosofia e teologia

Prof. João H. Hansen, doutor em ciências da religião