A hora das coisas belas

A hora das coisas belas

IPÊ BRANCO, BELEZA FUGAZ

A HORA DAS COISAS BELAS

 

Foi a nossa querida Maria Inês Filier que alarmou. Aliás, nem foi este ano, foi no ano passado.

– Os ipês estão floridos lá no bosque na Unesp.

– São muitos?

– Muitos e bonitos. Quem quiser ver, que vá  bem logo.

– Logo, por que? Tem tanta pressa assim?

– Claro, são ipês brancos e são bem rápidos. Depois de dois dias, está um tapete no chão e a árvore toda em galhos.

Foi assim, que a Maria Inês começou teorizar sobre o ipê. Seu discurso tomou tanta importância, que de repente pareceu-nos que ele era uma discussão do grupo Sophos, explicando grandes teorias acadêmicas. O grupo Sophos, para quem não sabe, é nosso  grupo de reflexão. Tocamos os temas mais elevados, mas também os temas mais banais.

Dizem que os ipês são classificados pela beleza. Quando mais bonitos são, menos tempo as flores permanecem nos galhos. Os ipês roxos, ficam no máximo dez dias floridos, os rosas, uma semana mais ou menos, o amarelo, menos de uma semana e o mais lindo (há controvérsias nesta apreciação)  dois ou três dias, dependendo do sol escaldante ou dos dias mais frios.

Essa conversa aconteceu no ano passado, pois neste ano, quando foi anunciado que os ipês brancos estavam floridos, todos se precipitaram para ver o espetáculo e mesmo fotografar. Até no facebook andaram postando. Coisas da modernidade.

No ano passado, muitos chegaram atrasados para apreciar as árvores. Quando chegaram, tinham poucas flores, muitos já não tinha nenhuma beleza, além da beleza amarga dos galhos meio secos. Bem, Exupéry diz que não tem nada mais bonito que uma árvore seca ao entardecer.

Quantas vezes, chegamos atrasados para apreciar a beleza das coisas. Tantas vezes ouvimos as pessoas lamentarem porque não chegaram a tempo para cumprimentar um amigo no aniversário. Deixaram para depois e depois é o tempo do não ser.  Quantas vezes, a gente não vai visitar um doente e depois sabemos que ele já não está mais doente. Se ele melhorou, tanto melhor, mesmo que tenhamos perdido a oportunidade de revelar nosso carinho por ele. Se ele morreu, tanto mais triste, muito, muito mais triste. Perdemos a  chance de ele levar um recadinho nosso pro céu.

A vida é uma página que se escreve no presente. Coisas do passado, são nostalgias ou livros de história; coisas do futuro  são ilusionismos, sonhos ou fantasias.  Vimos muitos pais reclamarem que não viram seus filhos crescerem.

– Quando me dei conta, já era um mocinho e nem mais queria sair conosco. Quando era pequeno, eu nunca tinha tempo. Tinha que trabalhar muito.

A propósito, qual foi a última vez  que foi com o filho ao parque? Ah, parque é um jardim com brinquedos onde os amigos e as famílias passeiam. E à igreja, para agradecer a Deus que você está vivo e tem um lar? Faz tempo? Espera mais um pouquinho, no céu haverá de ter igrejas de sobra, com muitos santos. Lá você vai entrar em muitas igrejas.

Desculpe a ironia: você está seguro de ir para lá?

Na vida, as coisas boas devem ser feitas hoje, agora, o quanto antes. Amanhã é um tempo hipotético. Pode ser, mas não passa de uma hipótese.

Aproveite o tempo das coisas e as coisas do tempo. Abrace amigos, visite doentes, faça boas obras, leia bons livros. Encante-se.

Ainda esta semana na comunidade Santa Luzia, dona Tereza (nossa matriarca) falou que os ipês tinham perdido as flores. E, acredite, algumas pessoas não tinham conseguido tempo para apreciar o espetáculo que Deus fez para nós.

– No ano que vem, com certeza, eu irei, com certeza.

– Mas, e se o ipê não florescer novamente.

Todos silenciaram. Sim, não seja tolo, o ipê vai estar lá, altaneiro, elegante e encantador. Mas, você vai estar por aqui? Esperamos que sim!

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita) , doutor em filosofia e teologia

Prof. João H. Hansen, doutor em ciências da religião 

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