O sinal da Vida Consagrada Secular


O sinal da Vida Consagrada Secular

A vida consagrada nos Institutos Seculares se manifesta com um sinal, sensível, mas não evidente. Por sua própria natureza, e pelo aspecto da vida de Jesus que a fundamenta – a vida oculta -, não se manifesta com um sinal evidente.
     Jesus nos anos de sua primeira infância, para sobreviver, teve que ser um fugitivo, um “escondido”, não revelado, mas não sem ser revelador do rosto de seu Pai, missão que ele viveu com fidelidade desde seu primeiro respiro até o dia de hoje. Vemos Jesus como Deus escondido, não escondido nas nuvens, mas escondido no ser humano, como quem quer nos conhecer em nossos mais íntimos segredos de ser gente.
     Jesus, o Filho de Deus, primeiro foi silencioso em sua concepção, depois se escondeu no seio virginal de Maria, passou por todas as fases e por todos os riscos que um feto passa e tornou-se um recém-nascido exposto a todas as eventualidades, nascendo nos arredores de Belém, num presépio. Depois foi anunciado com um “sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura” (Lc. 2-12). E os pobres e trabalhadores o viram e o visitaram. E soou a voz dos anjos glorificando a Deus. E Maria e José ficavam admirados.
     Passada a Epifania, com a visita dos pastores e dos magos, vemos Jesus com sua família fugindo de noite para o Egito, e uns anos depois voltando para a Galiléia. Completado o tempo, apresentou-se para a indispensável e pública missão de anúncio do Reino e no final desta aparição, escondeu-se novamente no pão e no vinho, depois no túmulo e, finalmente, está escondido “em Deus”.
     O Deus-escondido do Antigo Testamento continua Deus-escondido no Novo Testamento, na maior parte de sua vida, partilhando nossa sorte e vivendo todas as eventualidades e surpresas a que estamos expostos. E para que o reconhecêssemos como Ele é e não o procurássemos em lugares estranhos escondeu-se estando presente, numa dinâmica de presença-escondimento, porque, como encontramos em Provérbios (8.31) Ele encontra suas delícias em
 “estar junto aos seres humanos”.
     Para seus pais, sem sombra de dúvida, aquele menino que brincava, corria, chorava, e, possivelmente, protestava, os desconcertava, pois não se parecia muito com o Deus que eles se acostumaram a contemplar nas páginas das Escrituras. Eles podem ter enfrentado a dúvida e a incerteza sobre a veracidade de todas as palavras que tinham ouvido.
Mas o seu menino “foi crescendo, ficando forte e cheio de sabedoria. A graça de Deus com Ele estava. ” (Lc. 2,40). Podemos crer que estes sinais ajudavam a dissipar em Maria e José a nuvem da dúvida e da incerteza. Aos 12 anos o menino lhes recorda sua origem e os surpreende com um “não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu Pai?” (Lc.2,49), e novamente desaparece no silêncio da Escritura. Nada se sabe sobre o que ocorreu em sua juventude e, repetimos, neste silêncio, cumpria a missão que lhe fora encomendada pelo Pai e “sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração.” (Lc. 2,51).
     Em sua vida apostólica, Jesus é apresentado no templo, aparece e “se perde” no templo Só depois de vários anos se revela, revela o Pai, faz discípulos, entrega sua vida e morre “como o grão de trigo” (cf Jo,12,24). Passada a paixão, surpreende a todos os seus amigos e contemporâneos com sua ressurreição gloriosa, sobe ao céu e, de novo, é o Deus da presença escondida na Eucaristia e na vida da Igreja.
     Tão ignorado Jesus passa em sua juventude que, poeticamente lembra-se da jovem de Nazaré, referindo-se a Maria, mas é raro que alguém leve em conta que houve um jovem Jesus de Nazaré. Com a crise de valores e de personagens de referência em que vive nossa juventude, não teríamos que fazer emergir a figura do jovem Jesus de Nazaré? E seja Ele a luz, que fará muitos saírem de seus guetos e olharem para horizontes mais amplos, além das experiências virtuais e dos shows de multidões. E eles poderão contemplar alguém único, que viveu todas as emergências e surpresas da juventude e quando se tornou homem, marcou definitivamente a vida e a história da humanidade.
     Desde a perca e o encontro no templo aos 12 anos, até as bodas de Caná, com cerca de 30 anos, Jesus, nas Escrituras, é silêncio e anonimato! O que terão pensado sobre o seu destino os que O viram aos doze anos no templo, como um meteoro que apareceu, brilhou, encantou e desapareceu? Possivelmente alguns deles O ouviram uma única vez! Encontramos rápidas e escassas cenas compostas por atores cinematográficos ou por escritores que ensaiam algum aceno, mas tudo se baseia em suposições. Sobre sua vida de adolescente, jovem e adulto jovem estamos no escuro. Tudo o que se ousou dizer é baseado em suposições, não com certeza por um descuido, mas por um desígnio divino.
     Neste “vazio” de relatos, existe na Igreja um chamado concreto para tornar visível algo deste escondimento que Deus viveu quando se encarnou em nossa história: a proposta de vida dos Institutos Seculares.
     Os membros dos Institutos Seculares precisam, com a luz do Espírito, mergulhar na Palavra e, a partir das palavras ditas e fatos relatados, imaginar com olhar contemplativo o que não se contou. É preciso “garimpar” no resíduo do tempo, entre os cascalhos acumulados, a pedra preciosa que revela o escondido mistério da vida oculta de Jesus e trazê-lo à luz, para ser visto por todos. 
     Cada Instituto precisa descobrir qual é o traço do rosto de Jesus que foi chamado a imprimir no mundo e, a partir deste traço, cada vocacionado escolhe as tintas e as cores com que imprimirá o painel de sua vida, mas pela opção que fez, não pode não revelá-lo.
A vida consagrada secular, por opção, não escolheu encarnar a vida apostólica de Jesus em seus anos de vida pública, mas escolheu encarnar os anos de sua vida oculta e, quiçá, o estilo que Ele vive agora, depois de ressuscitado, presente em todos os espaços humanos possíveis, em que ele volta a viver oculto aos olhos de quem não crê. 
     O Papa Paulo VI, em seu discurso aos Responsáveis dos Institutos Seculares, em Roma, a 20 de setembro de 19721 , diz que a 
“‘Consagração’ indica, por sua vez, a íntima e secreta estrutura do vosso ser e do vosso agir. É aqui que se encontra a vossa riqueza profunda e velada, que os homens em cujo meio viveis não sabem explicar e, muitas vezes, nem sequer podem suspeitar… Viveis uma verdadeira e própria consagração, segundo os conselhos evangélicos, mas sem a plenitude da visibilidade própria da consagração religiosa”.
     Se não há visibilidade, como podemos falar de “sinal” que revela a vida consagrada secular? 
Afirmamos que este sinal existe e é revelador do mistério que se propõe encarnar. É o que acontece com muitos consagrados e consagradas seculares, por exemplo, quando alguém os aborda em uma repartição pública, em uma praça, em um ônibus abarrotado, em um evento onde se aglomeram multidões de pessoas e nos diz: “O que você é? Você, por acaso, é freira? Você tem uma cara de freira”! Não temos dúvida de que esta pessoa foi tocada por algo que não alcança com os olhos, mas que pode perceber como um sinal surpreendente que lhe revela algo de Deus. Eu podemos responder: “Você está me dizendo que tenho cara de freira, ou que eu tenho a marca de filha Deus”?Normalmente a pessoa logo entende e sorri, sinalizando que compreendeu. Se percebermos que a pessoa entende e se considerarmos oportuno, poderemos entregar nossa “pérola”, contar sobre nossa vocação, a não ser que o Instituto nos comprometa com o sigilo sobre nossa consagração.
     Trazer Deus para o cotidiano é o sinal daqueles que são “discípulos de Deus”, como diz São João (6,45) e dos que o Espírito marca para o dia da redenção (cf. Ef. 4,30). Sinal da “familiaridade divina”, dos “imitadores de Deus como filhos queridos”(Ef. 5,1). Sinal que identifica e distingue os filhos e filhas prediletos do Pai, que correspondem radicalmente ao seu amor e mantêm com Ele uma estreita e intensa relação de proximidade, de intimidade e familiaridade.
     Não foi algo semelhante que aconteceu naquele encontro de Maria e Isabel, trazendo Jesus e João Batista em seus ventres? Algo que ultrapassava o que se podia ver, fez estas duas mulheres se expandirem em louvores, envoltas no mistério que as unia e marcaria suas vidas e a história da humanidade.
     Quem vive o seu Batismo em profundidade e se compromete em seguir os mandamentos, tem traços inconfundíveis, decorrentes da fidelidade à filiação divina! E quem opta por seguir, não só osmandamentos, mas também os conselhos evangélicos, deveria ter esses traços ainda mais evidentes!
     Quem convive intimamente todos os dias com uma pessoa amada, assimila seus traços e acaba por se configurar com ela. Se isto pode se verificar em tantos casais que se amam, porque não seria verdade em relação a filhos e filhas com seu Pai? De tanto conviver em intensa familiaridade com Deus, começam a se evidenciar os seus traços, a ponto de tornar visível nossa semelhança com Ele, desde os traços fisionômicos até nossos sentimentos e pensamentos, nossa voz, nossos gestos e nosso caminhar. Então, não foi para isso que viemos à vida? Não foi como imagem, e para sermos cada vez mais imagem e semelhança de Deus que fomos criados?
     É este o sinal próprio da vida consagrada secular! É revelar Deus pela simples presença em qualquer ambiente do mundo, com todas as suas contradições e falências, progressos e virtudes. É isto que justifica esta radical renúncia ao matrimônio terreno e esta opção exclusiva por Jesus como único amor.
     O Papa Pio XII em seu Motu Próprio “Primo Feliciter”, diz que toda a vida dos membros dos Institutos Seculares deve ser convertida em apostolado, “que deve ser exercido, constante e santamente, por uma tal pureza de intenção, por uma tal intimidade com Deus, por um tal generoso esquecimento e abnegação de si próprio, por um tal amor das almas, que seja capaz de revelar o espírito interior que o anima e na mesma proporção o alimente e renove sem cessar”. Este apostolado“deve exercer-se fielmente não somente no mundo, mas de alguma sorte, a partir do mundo e, por conseqüência, por profissões e atividades, formas, lugares e circunstâncias correspondentes a essa condição secular”.2
     Portanto, o sinal revelador é “o espírito interior que o anima” e que deve motivar as pessoas com quem convive e se encontra, a cultivarem o estilo de vida de Jesus e a “instigar” essas pessoas a se perguntarem pelo fundamento de uma vida que tenha tais características.
     O povo acostumou-se a supor que quem é portador deste “sinal” saiu de dentro dos mosteiros, dos conventos, ou dos seminários. Mas não é assim! Existem pessoas que vivem em plena corrente humana e até mundana que trazem este sinal que os distingue com a marca do Deus vivo. Cultivam com Deus uma tal relação de intimidade, que faz Ele ser o personagem central e protagonista absoluto de sua vida interior!

(Helena Paludo)


PAULO VI, Papa. Discurso aos Responsáveis dos Institutos Seculares, em Roma, a 20 de setembro de 1972, in Os Institutos Seculares – Documentos, p.62. Roma. Conferência Mundial dos Institutos Seculares – CMIS, 1995. 

2  PIO XII, Papa. Motu Próprio Primo Feliciter, in Os Institutos Seculares – Documentos, p.83-84. Roma. Conferência Mundial dos Institutos Seculares – CMIS, 1995.