O MENDIGO, A ESMOLA E O PERIGO

ENTRE O MEDO E A CARIDADE

foto cronica 16 07 mendigo

 

Chegando em São Paulo, entrando na Avenida Tiradentes, com todo o movimento que existe na cidade, os carros vão dentro da velocidade máxima permitida, ou toma multa. Já é tarde, passa da meia-noite. A cidade parece acordada, parece que ninguém dorme. Aparecem os semáforos e, num deles,  algo inusitado.

 O que é aquilo? – pergunta a Rosária meio assustada.

Olhamos e fomos diminuindo a velocidade. Paramos no semáforo e sempre é um risco naquela hora. Um homem estranho vai ficando ao lado direito e surge então um deficiente que se move no chão, arrastando as pernas entre os carros.

– Meu Deus que perigo! – exclama a outra passageira.

– Meu Deus, daqui há pouco abre o semáforo e vão passar em cima do deficiente – diz a Rosária preocupada.

O coitado não consegue nem levantar a mão. Alguns motoristas ficam com medo em outros carros e nem abrem o vidro. Pode ser um assalto!

O movimento já é bem grande de carros parados. O semáforo vai abrir e como vai ficar esta criatura  perdida entre automóveis?

– Olha, dá este dinheirinho para ele, está do seu lado.

A Rosária abre um pouco da janela com muito cuidado e o mendigo quase não alcança o dinheiro.

– Abre mais a janela e entrega logo o dinheiro ou a gente não vai sair daqui.

Ele pega o dinheiro e em vez de ir para a calçada avança mais ainda no meio da avenida.

Prevíamos uma tragédia. Abre o sinal e os carros começam a sair, mas todos que ali estão parados saem com cuidado para não ferir o mendigo. Sempre observados pelo estranho que está parado e assistindo a cena.

Finalmente conseguimos sair, após ter certeza que mendigo não estava na frente do carro. Não visualizamos mais a cena. Certamente chegou, com rapidez, mesmo se arrastando, e seu cúmplice, ou seja quem for, deve ficar atento para correr ou tentar mostrar o mendigo para algum desatento motorista.

Realmente, é uma cena de mundo desumanizado. Não sabemos nada sobre ele e mesmo tínhamos vontade de ajudá-lo. No entanto, o medo que a cidade grande gera em nós, nos faz anônimos e ausentes dos dramas mais fatais dos seus cidadãos. Temos medo de sair e ajudar, temos receio de sermos assaltados, temos receio de tudo quando a noite se aproxima e saímos. Foi-se o tempo que era divertido andar com o carro de vidros abertos e darmos risada das cenas bucólicas.

Em nossos dias, vivemos assustados e queremos o mais rápido chegar a nossas casas, nossos lares, onde, parece que encontramos nossa paz, nosso lugar seguro.

Vendo esta horrível cena, ficamos pensando como a sociedade se desumanizou. Parece que a vida perdeu a simplicidade. Se damos esmolas, ficamos pensando que será para drogas e ficamos insensíveis. Se pagamos impostos, pensamos que os governantes vão se propinar. Isso é meio certo, mas não temos saída. As necessitadas sociais do estado são relegadas à esmolas. O governo gasta mais com propagandas enganosas de suas administrações que com serviços para o povo. Ninguém acredita, mas eles insistem.

Quem paga os impostos, que é um dos maiores do mundo no Brasil, somos nós, que damos diretamente quatro meses por ano de nosso salário, para quê?

Vivemos momentos de puro terror, nunca antes vivido, não temos segurança, saúde, educação, projetos sociais para tirar os pobres e  moradores de rua. Na televisão e nos jornais todos se proclamam defensores do povo, mas na prática vivem na opulência.

Muitos se perguntam, se devemos dar esmolas nos faróis, pois os pedintes vão gastar em vão. E os impostos, onde vão parar. E não são migalhas, mas grandes somas. O Brasil está um caos, as cidades sem segurança e sem saúde e os demagogos continuam a mentir. A sociedade está ferida e o nosso coração também. É difícil sobreviver aos sustos que nos são dados em todos os momentos.

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia