LIÇÃO DE GENEROSIDADE

LIÇÃO DE GENEROSIDADE

O VELHO E O JOVEM BARBEIRO BRUNO

Neste mundo atual, em que as pessoas se comunicam muito mais por e-mail e parafernálias da Internet, receber uma carta é bastante diferente. Lemos outro dia que os jovens de hoje gostam das histórias do passado (inclusive recente) quando ouvem os mais velhos, ou mesmo os pais ou ainda leem romances que falam de cartas. O mundo evoluiu tão rápido que os jovens nunca recebem ou enviam cartas, mas entendem o romantismo que as envolve. Diríamos que eles têm saudades de algo que fizemos e que gostariam que ainda existisse.

Bem, isso é para contar que recebemos uma carta. Parece tão raro hoje em dia, mas recebemos uma carta, manuscrita.

Nesta bonita missiva, Delzira, filha da Dora, que assina a carta, nos conta sobre seu pai. Ele vivia os últimos dias de sua vida; estava muito doente. Mas cuidava de sua aparência e uns quinze dias antes de morrer, queria que seu cabelo fosse cortado. Para isso precisava de alguém, com bastante experiência, para que cortasse seu cabelo e sua barba.

Dona Dora  foi até a barbearia onde trabalhava o Bruno, um jovem muito amável. Ele ouviu o pedido daquela filha com carinho. Deu um sorriso muito grande e gentilmente aceitou o  convite. Questão de formação cristã, pois Bruno Lira é filho da dona Lurdinha e de João, atuantes na Pastoral da Criança.

Não demorou muito, ele chegou com seus apetrechos para cortar o cabelo do velho senhor.  Foi até seus aposentos e com muito carinho, carregou o senhor até uma cadeira. Como o homem era um tanto pesado, pediu para Delzira o  ajudar,  colocando a mão nas suas costas. Começou a brincar com seu cliente, conversando com ele e distraindo-o como se o tivesse conhecido a vida inteira.

Quando perceberam, ele já havia cortado o cabelo e feito a barba. O velho pai estava encantado como se tivesse ganhado um presente. Novamente o jovem Bruno o levou até a cama, arrumou-o lá, deu-lhe um beijo no rosto e se despediu.

A filha  foi até o portão com o Bruno para  acompanhá-lo. Instintivamente  perguntou o preço do trabalho. A primeira vez, ele deu um sorriso e fez que não com a cabeça.

Dora insistiu algumas vezes. Ela queria pagar seu trabalho. Ele não aceitou de jeito nenhum. Olhou para o jovem barbeiro e viu que ele estava sensibilizado e que tinha um olhar de anjo, um jeito de anjo mesmo. Assim nos sentimos quando também estamos muito sensíveis em certos momentos da vida.

Delzira então disse para o Bruno:

Deus te abençoe e multiplique a bondade que fez com meu pai.

Ele respondeu, sempre sorrindo:

– Já está bem pago e abençoado.

Despediu-se dele e entrou em casa, encontrou o pai ainda sorrindo e feliz com a visita do jovem barbeiro. Poucos dias depois, o jovem Bruno morreu tragicamente. E seus amigos escrevem para seus pais, Lurdinha e João, e seu irmão Thiago,  cartas amáveis, com testemunhos maravilhosos. De fato,  lemos na carta que  “Só anjos trabalham com amor sem querer nada em troca”.

E no final de sua mensagem, Delzira  nos conta que ficou  com saudades do jovem Bruno. Disse até  que ele parecia bom demais para esta vida. De forma simples diz que certamente virou o anjo no céu. Infelizmente foi vítima de um assalto.

Interessante, a carta. Revela a beleza dos bons gestos e deixa marcas de saudades. São lembranças que ficam de momentos impressionantes em nossas vidas. Sempre nestes momentos, aparecem pessoas repentinamente. Elas nos fazem o bem e depois se vão. Provavelmente são anjos terrestres que permanecem rodeando-nos e depois nos dizem adeus. Se fizermos sempre o bem e o recebermos sempre, estaremos fazendo o que o jovem barbeiro fez. Fazer o bem e agradar uma pessoa que está com problemas de saúde. Assim como um ministro leva a eucaristia para o doente, o jovem Bruno levou seus apetrechos para cortar-lhe o cabelo e a barba. Uns fazem bem ao coração como a eucaristia, outros com a leveza de um corte de cabelos. No meio de tantos mercenários, que não levantam o dedo sem antes combinar o preço (sempre explorando os mais fracos), o gesto de Bruno nos faz crer na gratuidade. Fica restando somente a saudades de todos que um dia fizeram parte de nossas vidas, são anjos semeados no mundo. Esperamos que você também possa ser anjo de alguém. Vai render depois cartas de gratidão.

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia