NOS BASTIDORES DA VIDA

RECORDAÇÕES DO IRMÃO LEONILDO

 

Chegamos ao Abrigo São Vicente de Paulo e o Padre Everson nos perguntou:

– Vocês vão fazer uma crônica do Irmão Leonildo?

Recordamos que o Irmão Leonildo faleceu há alguns dias, depois de ter vivido alguns anos na Casa de Repouso dos padres e religiosos, após anos de trabalho e missão junto ao povo, seja nas paróquias, colégios, missões e obras de caridade.

– Sim, estamos pensando – respondemos – Vamos escrever uma crônica sobre suas virtudes.

– Uma crônica do Irmão Leonildo?  Ninguém o conhece – respondeu uma pessoa que estava ao lado – Ele não construiu nenhum prédio.

Ficamos todos um pouco perplexos, pois parecia-nos algo provocante e estranho. Uma reflexão que revela uma lógica distorcida do pensamento humano.

– Todos deveriam conhecê-lo –  interveio o Padre Luís – Nunca foi de aparecer em público, mas era um jornalista e dos bons. Era um religioso culto, inteligente e sempre  lia muito.

Pe. João completou: – Escreveu muitos  artigos   e foi muito importante para os orionitas.

 –  Trabalhava de fato, não tinha preguiça, era um dos bons religiosos. Trabalhava em silêncio.

Como ficou doente por vários  anos, as pessoas foram se esquecendo que ele  foi um irmão dedicado e pronto para ajudar os outros. Padre João comentou para nós todos, como se estivesse falando um segredo. Falavam dele como um grande amigo, um servo dos irmãos, com humildade e simplicidade. Grande capacidade de escrever e força espiritual nos diálogos com os irmãos, sobretudo os mais jovens.

Interessante notar que nós fazemos monumentos para grandes heróis que constroem grandes obras ou fazem grandes obras, mas nos esquecemos das pessoas silenciosas que edificam no silêncio as nossas vidas.

 Ficamos tristes de pensar, que não é somente uma pessoa na vida que pode ser esquecida, mas milhares delas, pois o holofote do sucesso somente se acende quando a pessoa é destacada na multidão. Assim é a vida. O irmão Leonildo foi um excelente jornalista, trabalhou para os orionitas, durante anos e sempre atendeu todos com uma educação e carinho muito grande.

Mas, a vida pode ser cruel. Ele ficou anos e anos doente; por isso foi sendo esquecido pelas pessoas que antes o procuravam.  Mas, como disse Dom Aloísio “acompanhamos sua vida nestes anos e ele nunca perdeu o brilho da fé”. Apesar de durante toda a vida ter ficado nos bastidores, fazendo trabalhos para a Congregação dos Orionitas, o irmão Leonildo escolheu São Luís Orione como sua vocação e seu trabalho. Em sua humildade, Deus realizou maravilhas.

Sem as pessoas que estão nos bastidores, não fazemos nada. Lembramo-nos de um avô que dizia que um casamento tem tanta gente, mas tanta gente nos bastidores, que o convidado jamais imaginaria que um casal de noivos para oficializar seu enlace matrimonial, precisa de alfaiate, costureira, buffet de recepção, copeiros, cozinheiros, lavadores de pratos, gráfica de convites, floricultura, entre tantos. Se as pessoas que trabalham no silêncio desaparecessem, tudo seria um caos.  Somos viciados em valorizar os grandes construtores, os que realizam grandes obras e fazem sucesso. Esquecemos que sem o silêncio da mãe no lar, dos limpadores das ruas à noite, dos que trabalham nas fábricas, das equipes de produção nos filmes, não teria nenhuma grande realização no mundo.

Assim foi o irmão Leonildo. Ele ficava nos bastidores para que os "espetáculos  da vida" se realizassem. Ele escrevia para dar continuidade à história de São Luís Orione. Tinha um cultura grande, não somente pela sua formação, mas porque era além de tudo um autodidata e gostava de aprender.

Durante sua longa jornada doente, se entregava diariamente a Deus e lutou para viver, enquanto outros desanimam, pois achava a vida bela. Mesmo atado a uma cadeira de rodas, não perdeu seu sorriso.

Viveu seu sonho de ser irmão religioso, no escondimento. Pensamos nele como aquele menininho que seu maior prazer era tocar o sino e chamar toda a aldeia para a missa. Ele também tocava o sino nos corações das pessoas. Irmão Leonildo partiu e o sino nunca mais badalou. Ficou sua lembrança e o testemunho de sua humildade. Nos bastidores da vida, viveu sua fé e sua esperança. 

 

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia