20 out “… e fizeram tangas” (Gn 3,7)
Por Cl. Renaldo Elesbão, religioso orionita
Esta é a tradução da bíblia da edição Pastoral. Isso é muito engraçado. Bem, citamos o v. 7 inteiro, na bíblia de Jerusalém, a saber: “Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram”. Esse episódio acontece após a queda, o pecado. Esse comportamento é frequente no quotidiano. Nós o fazemos sem perceber. Quando? Quando fazemos e vivemos algo e nos comportamos diferente da vivência.
Adão e Eva pecaram e se vestiram com tangas. Resolveram? Não. É possível conhecer as intenções do coração? Sim. Para que se esconder se todos nos veem? Possivelmente, para aliviar a consciência que reflete como luz diante da verdade. A Verdade é como um sol.
Soa dentre essas perguntas outras, mas podemos resumir na pergunta antropológica de alguns filósofos e do salmo 8, 5: “Que é o homem?” Podemos formular de outra forma: Quem é o homem? A primeira aponta para a essência do homem. A segunda implica para a relação do homem consigo mesmo e com o mundo. Ou seja, o homem é imagem de Deus, é pessoa. E o homem é também semelhança de Deus, é filho no Filho-Jesus-Cristo.
O homem, segundo Aristóteles, é um composto unitário de forma e matéria ou potência e ato. Tomás de Aquino afirma que o homem é imagem de Deus e participa de sua Vida. Edith Stein fala do homem como mistério tripartido corpo-alma-espírito em unidade e pode ser descrito fenomenologicamente através da redução à essência. A psicologia comportamental se concentra nos movimentos do corpo para descrever a alma. Karol Wojtyla diz que o ser humano é pessoa. Ela se mostra na ação.
Todos esses eminentes pensadores se pasmaram ante o mistério do ser humano. Já sabemos, esse mistério é revelado pela sua ação. A pessoa é o nome que damos a esse mistério. Todos estão de acordo que é possível o homem conhecer. Tanto a si mesmo como aos outros homens. Não em sua totalidade, evidentemente. Sendo pessoa se mostra na sua ação.
A realização do homem chega ao cume quando ele participa, e quando participa ele se mostra. Karol Wojtyla fala do conceito de participação para substituir o conceito de intersubjetividade. Participando toda a pessoa entra em jogo. Não é meramente uma relação teórica. Se assim fosse poderíamos falar algo sem que tivesse haver com a realidade. Toda vivência se manifesta de alguma maneira. Somos unidade. Corpo-alma e espírito não se separam.
A linguagem do corpo comunica eu mesmo. Um eu talvez desconhecido a mim e aos outros. Mas, esse que se move sou eu. Freud foi genial quando “descobriu” o inconsciente. Mas, foi ingênuo pensar que iria dissecar a alma humana. Se o homem é mistério semelhante a Deus, então garimpar nesse mistério é muito perigoso. Não podemos pensar que a ciência vai dizer que é o homem. No mínimo sabemos quem ele é: imagem e semelhança de Deus. O homem é pessoa. É relação. A pessoa é a potência imanente, sua ação é a transcendência. O ser humano, portanto, se realiza quando tem livre acesso a si mesmo a ao alter ego. Quando aponta para si (imanência) e para fora (transcendência).
Vemos, pela experiência, que dentro de nós tem um núcleo intocável. É o interior mais íntimo, diz Stein, onde vivemos com intensidade as alegrias, sofrimentos e todas as sensações. Estas vivências são próprias do indivíduo que por ser pessoa comunica as outras pessoas. Quem não é pessoa não pode ter empatia, ou seja, apreensão e compreensão da vivência alheia. Os seres impessoais são todos aqueles que estão cerrados em si mesmos. O ser humano quando não bem formado não pode ter empatia no sentido “pleno”. Pode apreender a dor ou alegria do outro, mas não pode compreender. Pois, ele está cheio de si mesmo. É prisioneiro de si mesmo.
Um individualismo gritante. Salvo, graças a Deus, a solidariedade de muitos. Contudo, a cultura atual é pensada. A doença é pensada, como também a cura é pensada. Não temos roupa decente, mas tangas. Ou seja, solução fragmentadas. Paz e guerra são pensadas. A paz não produz poder, guerra sim. Tudo pensado. Uma verdadeira Matrix.
Vamos logo ao tema. Adão e Eva achavam que iria se esconder de Deus. Isso não foi possível. Não é possível enganar ao Criador ele conhece o mais íntimo da alma humana (cf. Sl 138). Não se assuste caro leitor: não é possível se esconder dos outros. Podemos nos vestir com folhas de figueiras? Sim! Mas, todos me verão, menos eu. O pecado nos cega e nos engana.
Podemos ver quando alguém mente? Podemos. O interior vive uma coisa e forçamos outra. Nesse meio observemos os movimentos corporais eles não estão em harmonia. Estão rígidos. Rubens Alves diz que alegria traz leveza ao corpo e o prazer peso. Há, agora sabemos o porquê sentimos peso perto de algumas pessoas. São pessoas esfomeadas de energia, de prazer. Porém, o que elas precisam é de amor, alegria. Os interesses nas relações são notados pela intensidade das mesmas. Quem ama não prende, entende, acolhe, espera, promove, e sente saudade na ausência e não na presença. Sabemos, agora, também o porquê sentimos “ausência” de algumas pessoas presentes.
Nas relações interpessoais, às vezes, presenciamos um mundo artificial. Um mundo criado, cheio de enfeites. De folhas de figueira. Jesus não admitia isso. “… Purificai o exterior do copo e do prato, e por dentro estais cheios de roubos e maldades” (Lc 11, 39). Ele penetrava no coração do homem. Nossas vidas serão mais sadias quando formos irmãos. Irmãos não se escondem. Não fingem. Amam. É triste quando percebemos que mentem. Querem nos enganar com tangas. Para esses hipócritas fazem um bem enorme as tangas. Por mais pequenas que sejam. Aí daqueles que as tiram. Ficam desprotegidos. Para que se esconder atrás de umas folhas de figueira? Insipiência. Para não dizer burrice. Os animais não se escondem. Não precisam. Somos piores que animais? Oxalá não.
No relato javista do gn no capítulo 2, 25 diz que eles estavam nus e não se envergonhavam. São João Paulo II na sua teologia do corpo desenvolvido nas catequeses sobre o amor humano diz que eles estavam sobre o estado de inocência original. Tal estado garantia a pureza. As folhas de figueira representam o nascimento do pudor. Este é a forma de se proteger contra a ameaça do outro ante sua dignidade. Teologicamente esse relato das tangas nos apontam para o mistério (dignidade) da pessoa humana em sua essência enquanto imagem e semelhança de Deus. Contudo, pudor exagerado é puritanismo. O puritanismo indica fumaça, perigo.
A verdade sobre o homem ficou comprometida com o lapso de Adão e Eva. Agora nossa formação humana deve constitui, como dissera Stein, a passagem do animal humano para a pessoa humana. Isso é tarefa das famílias, educadores, Igreja, religiões e a sociedade. É, contudo, uma afronta as relações interpessoais as tangas. Devido a isso vemos famílias deterioradas. Seres humanos desintegrados. Assim, parecem mais ETs na terra. Seres humanos erram, porém reconhecem seus erros. Não são deuses, são homens.
Acordemos! Todos nos veem. Nos formemos na liberdade para podemos construir relações humanas e não robotizadas. Sejamos, portanto, pessoas humanas. O que significa ser pessoa? Participar. Participar na família, nas escolas, nas igrejas, nas comunidades religiosas e na sociedade. Quem não participar não vive sua vocação. Não deixemos que a inveja, coberta de tangas, estrague o pouco de tempo de existência que temos. Que é tão boa.
Seremos o que projetamos ser. Limitações são estímulos para superar. Não pense algo que não és. Não faça algo que não pensas. Não pense, não faça algo que não vive. Seja livre. És imagem e semelhança de Deus. Tangas não! Verdade sim! Se vestires tangas saiba que todos veem e sabem. Assim, serás mais feliz. Não se engane pessoa é ação. Ação revela a pessoa. Em Jesus tudo é mais claro. Se estais Nele não precisas de cobrir os olhos e nem odiar a luz. “Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o conheceu” (Jo 1,9-10).
“Onde estás?” (gn 3,9). “Que fizeste?” (gn 3,13). A pergunta, disse Karl Rahner, é metafísica. Ela abre horizontes inimagináveis. A máxima de Sócrates “conhece-te a ti mesmo” e a “descoberta” de Agostinho do interior como lugar da morada de Deus ainda garante verdade e liberdade.
Arrumemos nosso “castelo interior”, pois ele irradiará na exterioridade com suas pedras mais brilhantes. Podemos cobrir com tangas algumas partes do corpo, mas não cobriremos nossa alma. Não violentemos nosso corpo dando sinal errado. Imagine o estrago. Eu não tenho um corpo que uso ao meu querer. Eu sou em meu corpo. Ele sou eu. Sua configuração diz da alma.
Caro leitor, conheces alguém que veste tangas? A mentira tem pernas curtas. Tangas tem folhas curtas. É melhor vestir as vestes do Cordeiro. “Ninguém faz remendo de pano novo em roupa velha; porque a peça nova repuxa o vestido velho e o rasgão aumenta” (Mc 2, 21).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R. E. A Empatia em Edith Stein. Cadernos IHU. Ano 12, nº 48, 2014.
Bíblia de JERUSALÉM. Paulus, 2012.
Bíblia edição PASTORAL. Paulus, 1991.
CRB. Corpos Solidários em Tempos de Travessia: Uma leitura de Lucas em perspectiva de corporeidade. 2008.
CARRARA, Paulo Sérgio. Elevatio entis ad Patrem: a oração de Jesus e do cristão à luz do mistério pascal na teologia de Francois-Xavier Durrwell. BH: O Lutador, 2014.
CORTELLA, M. Sergio. Não nascemos prontos!: Provocações filosóficas 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
COHEM, David. A linguagem do corpo: o que você precisa saber. Trad. De Daniela B. Henriques. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
Papa JOÃO PAULO II. Homem e mulher o criou: Catequeses sobre o amor. Edusc, 2005.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Antropologia filosófica contemporânea: Subjetividade e inversão teórica. SP: Paulus, 2012.
RAHNER, Karl. Oyente de la palabra: Fundamentos para una filosofía de la religión. Trad. De Alejandro E. L. Ros. Biblioteca Herder, 1976.
STEIN, Edith. La estrutura de la persona humana. Biblioteca de autores cristianos. Madrid, 1993.
WOJTYLA, Karol. Persona y acción. Biblioteca de autores cristianos. Madrid, 1982.
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