“E quem é meu próximo?” Lc 10, 29-37

“E quem é meu próximo?” Lc 10, 29-37

Por Renaldo Elesbão,

religioso orionita e estudante de teologia em BH

 

Esta pergunta foi feita por um legista a Jesus (cf. Lc 10, 29-32). Ela é perigosa porque arranca a pessoa do comodismo e da omissão. Ela é, também, metafísica porque ultrapassa os limites do espaço e do tempo. Diz respeito a todos aqueles que se aproximam de mim. E não somente aqueles dos quais eu me aproximo. Edith Stein confirma isso devido ela entender que podemos nos aproximar somente de quem gostamos ou nos simpatizamos.

Stein elaborou sua tese de doutorado de filosofia Sobre el problema de la empatía. Tal problema é espontâneo e, por isso, possui implicações éticas. Stein define empatia não como simpatia ou antipatia, pois estas vivências estão sobre a variações da psique. As emoções não devem definir nossas relações, mesmo que possam definir muitas vezes. Elas estão mescladas de determinismo psíquico devido aos sentimentos com (simpatia) ou contra (antipatia). Tais vivências não são da pessoa humana enquanto tal, mas do ser humano enquanto animal. Todavia, o homem-animal e o homem-pessoa constituem o ser humano em sua inteireza. A missão da pessoa humana é superar e assumir o indivíduo.

A pessoa humana é livre e determina sua ação e se autopossui. Sua alma e seu corpo são dirigidos pelo seu espírito que reflete, avalia e decide sua ação. Evidentemente, a liberdade é, situada, e, por isso, limitada. Contudo, não podemos negar a liberdade humana. Ela define o ser humano como pessoa humana a luz da verdade teológica que somos feitos à Imagem e Semelhança de Deus (cf. gn 1, 26).

Deus é Trindade e, por isso, é Pessoa e sendo o homem feito a sua Imagem, somos pessoa. A ralação fundamental entre pessoas se dá na liberdade. Portanto, só o homem é pessoa porque é livre. Ser pessoa, afirma Stein, é aquele que vive duas experiências de forma unitária, mas peculiar, a saber, a do próprio interior e do exterior. A primeira lhe confere indivíduo dotado de subjetividade enquanto ser em si mesmo. A segunda experiência diz respeito a intersubjetividade. Pois, o operari sequitur esse (o que atua, antes tem que existir).

Karol Wojtyla fala que a ação revela o mistério da pessoa humana. Noutras palavras, a pessoa humana é capaz de existir em communiuo personarum. Ela é seu suppositum (suporte ôntico). Severino Boêcio afirma ser a pessoa racionalis naturae individua substantia. A fé em Jesus e sua práxis nos liberta da imanência sem negá-la. Pois, como diz Tomás de Aquino, a graça divina não nega a natureza antes a eleva. Assim, Fé e, corpo e alma não se excluem, mas se completam.   

Então disse Jesus: Um homem descia de Jerusalém a Jericó. Foi assaltado e espancado. Semimorto ficou à mercê dos próximos. Passando um sacerdote, viu-o e passou. Igualmente um levita atravessando o lugar, viu-o e prosseguiu. Um samaritano chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. “Aproximou-se, cuidou de suas chagas, derramando óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio animal, conduziu-o à hospedaria e dispensou-lhe cuidados”.

É inegável que o próximo foi o Samaritano. Os samaritanos e judeus eram “inimigos”. O semimorto era judeu. O sacerdote e o levita, provavelmente também eram judeus. Estes deveriam viver a Torah que diz que todo bom judeu deveria colocar a Hesed (amor misericordioso) em ação.

A quem muito ama muito será amado. Pois, os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os nus, os doentes e os presos são os critérios de avaliação do amor (cf. Mt 25, 35-40). Nada pode justificar o próximo a não ser o amor. Amor não se identifica com sentimentalismo. Aqui eros, philia e ágape devem estar em harmonia.

O Samaritano é o tipo de pessoa que vivencia a empatia na sua mais alta experiência. Mas, que compaixão (Com, sentir junto. Paixão, sofreu com) ele foi ético. Entendemos agora o porquê que quem ama sofre. Ele viu, chegou perto, moveu-se, aproximou-se, cuidou, colocou em seu próprio animal. Façamos uma interpretação aberta dessas atitudes. Ele viu e não fingiu que não viu, pois chegou perto, mas que perto se aproximou. Às vezes, chegamos perto do próximo, mas não nos aproximamos. Aproximar é deixar todo nosso ser chegar perto e se deixar mover de compaixão. Aqui a psique enquanto movimento aleatório foi ordenado e ele colocou o ferido sobre o seu próprio animal. Animal significa a alma psicológica.

Wojtyla diz que na alma humana há dois movimentos o que ocorre e o que atua. No primeiro movimento o homem não participa. No segundo a pessoa humana atua. Porém, o Samaritano amou seu inimigo ultrapassando o que ocorre, atuando. Podemos pegar nossos sentimentos alheios e possuí-los, transformá-los em ação da pessoa. Ação livre. Então, o Samaritano foi empático, ético e irmão do próximo. A empatia nos aproxima espontaneamente. Mas, livremente nós nos afastamos. A decisão ética é nossa. A pessoa humana não pode está além do bem e do mal como quisera Nietzsche, mas está sempre entre o bem e o mal. O livre arbítrio, desse modo, possibilita a liberdade. 

Não podemos deixar que nosso animal nos domine. Que passemos adiante montado nele sem nos movermos interiormente ao outro. A alteridade, como diz Levinas, me compromete. Me afeta. A apatia não realiza a pessoa. Não constrói comunidade e nem sociedade sadia. O próximo não deve ser meu inferno, como diz Sartre e nem é o lobo que me devorará, como afirma Thomas Hobbes. O alter ego é outro eu. É meu irmão.

A pergunta pressupõe que alguns são próximo e outros não. Jesus amplia dizendo que os de dentro e os de fora são próximos. A Lei de Jesus é a Lei do amor. Nesse sentido são João da Cruz constata que: “um amor acende outro amor e que no final da vida seremos julgados pelo amor”. E ainda, “O ‘próximo’ não é aquele que ‘eu amo’. É todo ser que passa perto de mim”, afirma Stein. O passar vai além. Significa tanto eu me movo quanto ele se move. Se eu “amo” eu vou porque tenho simpatia com ele, mas se ele vem a mim sem que eu queira poderá ocorrer uma relação de antipatia, simpatia. Qual dessas vivências a pessoa humana atua? Sendo a empatia uma vivência sui generis não será ela a condição de possibilidade do amor cristão e ético? “Qual dos três, em tua opinião, foi o próximo?”.  

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, R. Elesbão de. A Empatia em Edith Stein. Cadernos IHU. Ano 12, nº 48, 2014.

BERNADETE, Maria. A dialética da subjetividade. Coleção Argentum nostrum. Fortaleza, 2007.  

Bíblia de JERUSALÉM. Paulus, 2012.

CRUZ, S. João da. Obras completas. Vozes: Petrópolis. 2002.

FARIAS, Moisés Rocha. A empatia como condição de possiblidade para o agir ético. Dissertação (mestrado em filosofia). Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2013.

STEIN, Edith. La estrutura de la persona humana. Biblioteca de autores cristianos. Madrid, 1993.

___________. Sobre el problema de la empatía. Vol. II. Traducción Constantino Ruiz Garrido e José Luis Caballero Bono. Coeditores: Espiritualidad; Monte Carmelo; Ediciones El Carmen, 2005.  

___________. Introducción a la filosofía: Los problemas de la subjetividad. 2005.

WOJTYLA, Karol. Persona y acción. Biblioteca de autores cristianos. Madrid, 1982.

 

 

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