03 mar “Dai-me de beber!” Jo 4,7
Por Cl. Renaldo Elesbão, religioso orionita e estudante de Teologia em Belo Horizonte.
A Samaritana mora em cada um de nós, pois a sede de Deus é universal. Por isso: “Ele tinha de passar pela Samaria” (Jo 4, 4). O relato do encontro de Jesus com a Mulher Samaritana nos instiga a seguinte pergunta: quem é essa mulher? O que ela tem haver comigo? Tais perguntas são fundamentais, pois a bíblia sempre é atual. Ela tem haver comigo. Ela é atemporal porque ultrapassa o tempo e me afeta hoje. Ela é a Igreja.
Todas as épocas e culturas possuem um anelo por algo de fora. A busca pela Transcendência constitui a pessoa humana. O homem, segundo Karl Rahner é aberto horizontalmente e verticalmente. Sua estrutura ôntica possui tal inclinação, por ser espírito. O homem é pessoa. Isso o faz ser livre e espiritual, afirma Edith Stein. Só o homem é pessoa. A liberdade e a consciência são os elementos chaves da transcendência da pessoa.
A Samaritana representa o ser humano que procura sentido para sua vida. Todos nós procuramos sentido. Sentido é razão, direcionamento. Isso porque somos ex-istentes e que devemos nos fazer enquanto pessoas humanas. Ou seja, existir significa se fazer (cf. Jo 3, 3). Sou o que realizo com minha liberdade.
Plasmo meu espírito dentro das condições biológicas, físicas, sociais, culturais e psicológicas. Isso significa que não somos tão livres como alguns afirmam. Contudo, a liberdade e a consciência podem definir o que quero ser. A Graça de Deus, evidentemente, me instiga e me concede meios para tal empreendimento (cf. Mt 5, 48). Com isso, podemos dizer que, a concepção de algumas tendências sobre a perfeição do ser humano só é possível algum resultado com a Graça de Deus.
Nem a filosofia, nem a psicologia e nem a “teologia” podem formar o ser humano numa pessoa humana se não movido pela Graça. Conduz, desse modo, a uma experiência teologal e teológica. Aqui a Graça é o próprio Jesus Cristo. Sua ação é sua glória. Sua epifania é a auto-revelação Trinitária. E sua revelação é a salvação. A Graça, em suma, é Deus agindo em nós. É o Espírito Santo através de Jesus que nos plasma na imagem de Jesus. O clímax da salvação é sermos filhos no Filho. O Pai é a instância que ansiamos. Jesus é o modelo da possibilidade filial.
Então, Jesus se revela para a Samaritana. Ela se abre para Ele. Duas pessoas, um encontro. No poço se realiza algo maravilhoso: Deus e o ser humano se tocam. Jesus é Deus-conosco. Assim, a Samaritana representa o ser humano mais frágil. Uma mulher pobre e sem direitos. Carente de amor. Cheia de sonhos a procura de felicidade em todos os lugares. Só decepção. Nada a realizava enquanto mulher. Todos se aproveitavam de sua carência. Ela não se auto-possuia mais. Uma força de fora a governava.
Entretanto, buscava ser feliz. Os homens que mantinham relacionamento eram comprometidos. Achava que eles faziam outras mulheres felizes e, por isso, se entregava a eles. Jesus no poço é mais um. Pensava. Que homem estranho. É Judeu. O que ele quer de mim? Há, já sei, o mesmo que os outros. Darei o que ele quer e pedirei algumas moedas… Pensava.
Surpreendente! Jesus pede água. Água? Tu sendo Judeu me pedes água? Eu que sou uma Samaritana (cf. Jo 4, 9). E ainda uma mulher sem marido. Estranho. Bem, não custa nada dar-lhe um pouco de água. O sol ilumina nossas cabeças e a sede também me pede água. Duas almas com sede. Nesse sentido, São Luís Orione diz que na cruz acontece o grande grito: “Sitio, eu tenho sede! Terrível grito de ardor, que não é de carne, mas é grito de sede de almas e é por essa sede de nossas almas que o Cristo morre”. Dois interesses: um Humano outro Divino. Imanência e Transcendência se cruzam.
Ele disse tudo de mim. Falou coisas que não sabia de mim mesmo (cf. Jo 4, 19). Nunca vi igual. Bendito poço. Feliz hora em que cheguei aqui. O Sol da justiça me esquenta a cabeça. É meio dia. Hora da iluminação plena. Nunca me encontrei com um homem sozinho à luz do dia, pois os encontros eram ilegais. A escuridão era minha proteção. Agora a luz me invade e eu não tenho medo. Esse Judeu me toma inteira…!
Ele não busca migalhas de afeto, mas amor. Tem sede de amor (cf. Jo 19, 28). Parece que ele morava dentro de mim. Sabia tudo e me disse tudo. Não seria ele o Messias? Sim é (cf. Jo 4, 26). Ele permitiu que experimentasse algo indizível. Só sei dizer que não só eu me abri, mas Ele também. Eis aí um verdadeiro diálogo. Um encontro de pessoa a pessoa. Não me violentou. Nem o corpo e nem alma. Foi suave, mas profundo. Sua presença me bastava. Ele me olhava com seus olhos grandes, mas não me devorava (cf. Ct 4, 1). Era algo que me abraçava. Acolhia mesmo na distância.
Tive uma longa conversa, porém sem muitas palavras, pois tudo Nele era Palavra (cf. Jo 1,1-2). Nunca me sentir assim: misturas de sede e saciedade. Tudo e nada. Queria ficar ali, a beira do poço por toda a eternidade. Era isso que procurava a vida toda. Mas, um estranho “espírito” me instigava a sair e gritar para todos que encontrei meu amado. Sai e comecei a proclamar rodando a cidade (cf. Ct 3, 2). Ele não estava mais fora, mas dentro de mim. Ninguém me tomava tamanha alegria. Sou noiva do meu Amado (cf. Ct 1, 15). Encontrei a quem procurava (cf. Jo 20, 11-16).
Há dentro de cada um de nós uma Samaritana. Porque existe uma sede. Esta me incita a procurar. E procuramos, muitas vezes, desesperadamente. Não sabemos onde procurar. Tudo e todos podem indicar o poço da Água da vida. Temos vida, mas não em abundância (cf. Jo 10,10). Pois, não somos independentes de Deus (cf. Gn 3, 2-3). É Ele quem nos sustenta. Assim, Deus é o sentido que todo homem necessita.
A Samaritana é o tipo humano que, às vezes, adora outros deuses (É a Igreja, ou seja, somos nós). A eles se entrega (cf. Is 1, 21). Existe dentro de nós uma sede ininterrupta. Nada nos sacia. Só em Deus podemos encontrar a água que necessitamos. Agora, hoje e amanhã devemos beber. A sede é insaciável. Não podemos ficar sem beber da Água. Caso não bebamos, ficamos desidratados. Sem vida. Secos. Uma existência ressequida.
Segue, portanto, que o poço está à espera. O Judeu morreu e ressuscitou e, por isso, já não morre mais. Ele está à beira do Poço. O Poço é o Pai do céu que como o pai misericordioso espera o filho prodigo (cf. Lc 15, 20). Jesus é o filho que se gasta por nós. Onde estamos procurando água? A água que estamos bebendo é saudável? Sacia? Ou é gotas de água que nos deixam mais sedentos?
O Poço está cheio. Jesus lá nos espera. A sede nos incomoda. Urge a sede. Deve urgir a busca. Não tenhamos medo, Jesus não nos acusa apenas nos ama. Pois, o Amor compreende. Então, dai-me de beber Jesus, pois estou sedento de ti como terra seca (cf. Sl 63, 2).
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Paulus, 2012.
COMUNIDADE ORIONITA EM ORAÇÃO, p. 143.
CORTELLA, Mario Sergio. Não nascemos prontos!: Provocações filosóficas. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
CARRARA, Paulo Sérgio. Elevatioentis ad Patrem: a oração de Jesus e do cristão à luz do mistério pascal na teologia de Francois-Xavier Durrwell. BH: O Lutador, 2014
CRUZ, S. João da. Obras completas. Vozes: Petrópolis. 2002.
RAHNER, Karl. Oyente de la palabra: Fundamentos para una filosofía de la religión. Barcelona, Herder, 2009.
WOJTYLA, Karol. Persona y acción. Biblioteca de autores cristianos. Madrid, 1982.
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