Por que ser orionita hoje?

Por Renaldo Elesbão, orionita

 

 

No que se refere a pergunta acima podemos elaborar de outra forma: por que ser padre “hoje”? (Essa pergunta foi feita pelo Pe. Tarcísio, provincial da província Brasil-Norte, na vigília de preparação a ordenação do Dc. Erenaldo Chaves no Lar dos meninos Dom Orione em BH no dia 01 do corrente mês). Ela nos remete a fazer uma hermenêutica do hic et nunc (aqui e agora) como quis e quer Dom Orione.

Por que deixar tudo e seguir Jesus (cf. Mc 2, 14))? Que tipo de fascínio é esse que nos faz entregar toda nossa existência, que é tão breve, a Deus? A existência é breve, a vida em Cristo não. Por que se consagrar como religioso orionita? “… A vida religiosa é coisa evidentemente boa e que não tem necessidade nem de luz nem de conselho. E a vocação religiosa não é de quem já é perfeito, mas de quem deseja sê-lo” (DOM ORIONE aos seus religiosos. 1987, p. 16). Que sentido faz ser orionita em meio a tantos carismas? Que tipo de carisma transmite Dom Orione? Que tipo de vivência experimenta um jovem, atualmente, para deixar as vicissitudes do mundo para abraçar a vida eterna? (cf. Mt 19, 1-22).

Bem, sabemos que quando perguntamos é porque existe um problema. Com isso, podemos dizer com o teólogo e filósofo Xavier Zubiri (1898-1983) que existe um problema teologal na vida humana. Problema aqui significa algo posto na vida humana e que o impele na direção de… Algo que envolve a pessoa humana e que a faz perguntar pelo fundamento último do real enquanto possibilidade de resposta.  

“Ser” orionita, indica o modo como eu me coloco no mundo enquanto cristão na sua mais profunda radicalidade a fim Instaurare omnia in Christo como Jesus quer. Como eu existo. Não como Dasein no sentido de Haidegger (1889-1976), ou seja, um ser simplesmente jogado para-a-morte, mas um ser colocado para uma teleologia e/ ou escatologia. Um ser que se sustenta em Jesus como fundamento último do real. Isto é, tudo o que existe subsiste em Jesus. Diz São João que tudo foi feito por meio Dele e para Ele. Ele é o Verbo que estava em Deus cuja palavra cria (criou) os céus e terra. Cria porque a criação é contínua. Deus iniciou, mas quer continuar conosco porque ele nos deu liberdade. O homem é o único animal que não nasce pronto tem que ir se fazendo e isso o constitui, ontologicamente, seu ser mais profundo, a pessoa.   

Como se dar esse ser orionita? São Luís Orione ratificou com sua vida o Evangelho enquanto Boa Nova na vida de muitos. Todos eram vistos como imagem de Deus. Pois, “No mais miserável dos homens brilha a imagem de Deus”, dizia. Essa imagem ainda que sendo reflexo de Deus necessita de uma restauração cuja obra deve ser constituída por aqueles que vivenciam o chamado de Jesus.

Dom Orione tinha um jeito especial de seguir Jesus. Amava a todos e queria fazer o bem sempre e a todos. O mal nunca, a ninguém. Sabia que a existência é breve e, por isso, não perdia a oportunidade de contribuir na restauração de tudo, com sua vida, até os últimos momentos quis Instaurare omnia in Christo, noutras palavras, renovar as pessoas em Cristo.

Emerge daí um questionamento. Por que se consagrar totalmente a Deus se já somos cristãos e enviados pelo batismo? O que faria Pedro se não tivesse se entregado totalmente? O que teria feito Paulo? Podemos ser cristão e contribuir com Reino de Deus. Contudo, se somos todo de Deus, então ele pode nos “usar” com mais intensidade, e ininterruptamente, como seus instrumentos de paz e justiça. Elementos intrínsecos do Reino de Deus, pois “Somente a Caridade salvará o mundo”, dizia Dom Orione.   

O que, então, explica a vocação religiosa? O amor. Simplesmente amar. As palavras de São Bernardo, abade e doutor da Igreja, nos diz algo maravilhoso nesse sentido que: “O Amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, é seu próprio prêmio”. São João da Cruz, por sua vez, expressa assim: “eu sou teu e para ti, e gosto de ser tal qual sou para ser teu e dar-me a ti” (Obras completas. 2002, p. 877). Pois, continua São João da Cruz, “o olhar de Deus é o seu amor” (Obras completas. 2002, p. 771). Assim, nas pequenas coisas do quotidiano podemos verificar a ação de Deus.

Dessa maneira, através dos votos evangélicos, pobreza, castidade e obediência, somos imersos no mundo como fermento na massa. Com nossa alegria de viver a pobreza apontamos para a confiança na Divina Providência. Este voto nos ajudam a viver a liberdade ante os apegos do mundo. Com a castidade somos constituídos na vida dos anjos cuja pureza não se apega a uma pessoa, mas a todos, como Deus ama. Porque “A pureza é a exigência do amor” (Papa JOÃO PAULO II. Catequese sobre o amor humano. 2005, p.227). Dessa maneira, com a nossa obediência nos submetemos nossa vontade a Deus.

Segue, portanto, que a vida religiosa é uma resposta a um chamado constante de amor. Não tem explicação. Tem vivência. Entrega. Doação. Alegria. A pessoa pura torna-se dom para a outra pessoa. Santa Tereza de Ávila nos afirma que: “Se guardamos com perfeição o amor ao próximo, temos tudo feito. Pois creio que, sendo má a nossa natureza, só chegaremos a praticar com perfeição esse preceito se o amor ao próximo tiver como raiz o amor a Deus” (Castelo Interior. Cap. 3, n. 9).

Mas, o que teremos nós que deixamos tudo e te seguimos, pergunta Pedro? Jesus garante muito mais (cf. Mt 19, 27-29). Isso se confirma na vida do consagrado (a). Essa é a verificação de validade, a abundância existencial. Mesmo ante as adversidades, a vida religiosa nos proporciona momentos inesquecíveis que nos torna mais humanos a imagem do próprio Jesus de Nazaré. Ele é a razão de nossa entrega. Renunciar a si mesmo para ser envolvidos por ele. A esse respeito Santa Tereza nos adverte, a saber: “Ora, pensar que entraremos no céu sem entrar em nós, conhecendo-nos e considerando nossa miséria e o que devemos a Deus e pedindo-Lhe muitas vezes misericórdia, é desatino” (Castelo interior. Cap. 1, n. 11).  

Disso implica uma vivência tão profunda que podemos dizer como outrora dissera São Paulo, a saber: já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (cf. Gl 2, 20). Para as nossas fraquezas basta a graça divina. Jesus é fogo que invade o coração e a mente daquele que o segue. Contudo, não somos ETs, ou seja, seres do outro mundo, mas deste mundo efêmero. Aliás, o religioso verdadeiro é tão humano que irradia paz, alegria, acolhimento, compreensão. É bom estar perto de Jesus, então é bom também estar perto de seus seguidores. O religioso deve emanar uma paz que podemos dizer que nossa propaganda vocacional é nossa própria imagem.  

O celibato e a castidade não nos podem fechar em nós mesmos. Pelo contrário deve nos abrir para amar. Esse é o sinal de uma boa vida casta, pois: “Sendo sinal de amor, basta que meu celibato se torne objeto de amor, não de gosto. De alegria, não de prazer” (MOHANA, João. Padres e bispos auto-analisados. 1967, p. 259  ). Com isso, afirma Mohana que tal vivência constitui um valor fundamental no mundo de hoje cujo valor demonstra atualmente maior necessidade.

Na verdade os votos evangélicos sempre foram e são e será uma denúncia e uma via eficaz de santidade. Pois, dizia Dom Orione que viermos para a vida religiosa para nos tornamos santos. A santidade é a finalidade do ser religioso. Os votos nos ajudam a humanizar nossa estrutura, corpo, psique e espírito. Disso advém à pessoa humana, isto é, uma vida pessoal integrada no amor. “É preciso sublinhar aqui que o amor é a realização mais completa das possibilidades do homem. É a máxima actualização da potencialidade intrínseca da pessoa… o verdadeiro amor aperfeiçoa o ser da pessoa e amplia a sua existência” (WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade. 1979, p. 72).  

O religioso é alguém integrado e livre. A alegria da entrega é sinal de harmonia e de profunda amizade consigo, ou seja, com suas necessidades afetivas e com Jesus. Desse modo: “Na vida de comunidade, também se deve tornar-se de algum modo palpável que a comunhão fraterna, antes de ser instrumento para uma determinada missão, é espaço teologal, onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado (cf. Mt 18, 20)” (VITA CONSECRATA. 2009, n. 42).

O religioso é mais que um discípulo atento é alguém que ama o Mestre e, por isso, o faz Senhor de toda a sua vida. Tanto a pureza quanto a entrega constituem sua vida interior que irradia por abundância.  Assim podemos ratificar como: “Aquele desejo tantas vezes manifestado por Tereza de Lisieux: ‘amar-te e fazer-te amar’” (VIDA CONSECRATA. 2009, n. 77). É bom estarmos aqui, disse Pedro na transfiguração, do mesmo modo deve ocorrer conosco (cf. Mt 17, 4). Porque se é Cristo que vive em mim, então todos os que se aproximam de mim pode Vê-lo. Isso ocorre assim? Ou as pessoas se sentem mal quando nos aproximamos delas? Como elas nos veem? Nossa vida vale muito mais que nossas palavras. Estas devem ser conformadas pela interioridade mais íntima cuja vivência interna contagia o exterior.

Nossa vida religiosa assim é sinal de realização pessoal e comunitária. Toda vocação deve ser aberta, do contrário não é vocação advinda de Jesus, mas de si mesmo. “O programa do cristão – o programa do bom samaritano, o programa de Jesus – é ‘um coração que vê. Esse coração vê onde há necessidade de amor, e atua em consequência” (DEUS CARITAS EST. 2006. n. 31).

Mas, por que ser orionita hoje? Bem, emerge atualmente uma recriação das estruturas humanas e mundanas. O carisma orionita procura abarcar tudo para restaurar e levar a todos ao Papa e a Igreja. Com o auxílio da Mãe da Divina Providência através da Caridade podemos contribuir para a construção do Reino de Deus. Eis aí nossa vocação enquanto orionitas.

O que fez Dom Orione? Acolheu a todos. Amou a todos. Sorriu para todos, cantando o amor. Vivendo assim com tanta felicidade contagiaremos a todos numa linda sintonia cujo eco expandir-se-á a todos aqueles homens de boa vontade. Estamos caminhado nessa trilha? Você caro, leitor jovem que vir conosco? Teu coração deseja cantar o amor? Procuras o amando na madrugada da vida à beira do túmulo como outrora inquietava o coração de Maria Madalena? (cf. Jo 20 1-1-2). Hoje ele te chama pelo nome. Tu queres dizer “Mestre!” (cf. Jo 20, 17). Vem e verás onde ele mora. “Nunca pensaste no teu futuro? Nos desígnios de Deus sobre ti e na santidade da vida apostólica? Pensa agora e decide” (DOM ORIONE aos seus religiosos. p. 21).