A proposta do Caminho segundo o Evangelho de São Marcos

Por Clérigo Renaldo Elesbão, orionita

 

Estamos chegando no advento e no ano litúrgico correspondente ao ano B. É o ano que teremos o Evangelho de São Marcos como nosso guia nas celebrações litúrgicas, precisamente nos domingos. Isso nos possibilita conhecer melhor o Evangelho, cuja metodologia é o seguimento de Jesus Cristo como Boa Nova. Tal seguimento é experimentado através do Caminho.

Precisamos de pressupostos fundamentais para entender a teologia de Marcos. O Evangelista nos apresenta um Jesus missionário. E Marcos escreve-o no ano 70 da era cristã. O contexto histórico foi marcado pela guerra e destruição de Jerusalém. A comunidade de Marcos era composta de judeu-cristãos e pagãos. Por isso, Marcos propõe o Caminho como forma pedagógica de iniciação a experiência de Jesus Cristo.

Tudo o que Jesus faz tem como pano de fundo a pergunta: Quem é Jesus? Marcos é hiperbólico quando relata a vida de Jesus. Isso é intencional para que o leitor possa se questionar sobre Ele (cf. Mc 1, 22. 27. 32-34; 2, 12; 5, 20. 42; 6, 42; 7, 37; 8, 1-10). Esses relatos nos apontam para o segredo messiânico. Porque só quem fez a experiência com Jesus, os do Caminho, podem saber, com o coração, quem é Jesus.

Com a razão, poderiam apenas conceber o Messias-político-militar. O Messias sofredor é oposto ao que eles imaginavam. Com isso, só a sensibilidade do coração poderia enxergar. Bleise Pascal, nesse sentido, tinha razão quando afirmou que o coração tem razões que a razão desconhece. Jesus, assim, é o Pobre de Nazaré. Ele é rei para governar não com espadas, mas com o amor.

Jesus é profeta para anunciar a Boa Notícia: Deus é pai de todos, e ama salvando a todos. Jesus é a ação amorosa do Pai. Todos que se aproximara de Jesus eram afetados intrinsecamente. Jesus corresponde a nossa nostalgia de Deus. Ele é nossa Imagem perfeita. Somos, então, filhos no Filho (cf. CARRARA, 2014, p. 263). Se somos filhos, somos herdeiros do Reino dos Céus, então fazemos parte do rebanho do Bom Pastor. Jesus é o Bom Pastor que nos conduz a caminhos verdejantes e seguros. Podemos sair e voltar ao redil sem constrangimento, pois Ele cuida de nós. “[…] sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (PAPA FRANCISCO. EG, n. 20).

A resposta da pergunta quem é Jesus é respondida em duas partes, a saber: É o Cristo 1-8 e especificamente no cap. 8, 29 por Pedro; É o Filho de Deus 8-16 tendo como cerne a exclamação do centurião no cap. 15, 39. Jesus em Marcos, portanto, não é o filho de Davi no sentido de rei-messias, mas é filho de Davi no sentido de Servo sofredor. Em Marcos Jesus é o Messias que assume a humanidade a partir dela mesma, ou seja, seu governo é baseado no amor e não na violência.

Marcos, assim, quer suscitar a fé. A compreensão vem durante a caminhada. Se Marcos dá logo a resposta muitos não irão acreditar, por isso, Jesus em Marcos proíbe os espíritos maus (os de fora do caminho) não falarem quem Ele era. E os expulsam. Isso é reservado apenas para os da Casa.

O cerne do Evangelho é a experiência do seguimento do Caminho. A Casa, por sua vez, é o símbolo da Comunidade. Estar fora da Casa significa estar fora do Caminho, do seguimento. Portanto, não conhece Jesus. Mesmos os de Casa poderá ter uma imagem errônea de Jesus. Pedro, por exemplo, afirmou que Jesus era o Cristo, mas depois não queria que Jesus fosse a Jerusalém porque lá iria sofrer a paixão, morte e ressurreição. Esses elementos correspondem o querigma (a catequese). Eles são o conteúdo da Páscoa. “[…] o querigma é o anúncio de alguém e não de algo”, – e para que isso aconteça é preciso – “converte-se, forma-se e engajar-se” (CARMO, 1014, p. 84-85).

Jesus repreende o discípulo e diz: “Vai para atrás Satanás” (Mc 8, 33). Satanás significa aqui desviador ou aquele que destorce. Jesus chama Pedro de Satanás devido querer desviar os planos de Deus. Não que Deus quisesse que Jesus morresse na cruz. A morte de Jesus foi consequência de seu amor, de sua missão. Contudo, Jesus devia morrer porque ele se fez carne e habitou entre nós (cf. Jo 1,14). O ser humano morre, Jesus se fez homem, então Jesus morreu.  Evidentemente essa é a morte biológica e não espiritual. O Pai não deixou o Filho.

Jesus manda Pedro ir para atrás, pois, “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34). Pedro estava na Casa, mas não sabia quem era Jesus. Atualmente, fazemos, às vezes, o mesmo que Pedro. Queremos um Jesus gloriosos que nos der glória antes da cruz. Todos temos cruzes quer queira ou não. Elas fazem parte da existência. Nesse sentido, vemos, hoje, como ainda desejamos um “Messias” que nos proteja das dores. Contudo, a experiência da Páscoa é a experiência do amor. Da maturidade espiritual.

Quem ama sofre. Só quem não sofre é quem nunca amou. O amor é doação, entrega, abertura de si mesmo a alguém. Por exemplo, quando éramos crianças nossas mães nos amaram e sofreram nove meses de gestação. No parto tiveram dores, depois alegria. Durante o dia tiveram alegria e, durante a noite muitos sofrimentos. Quantas noites elas acordavam com o nosso choro […]. Às vezes, hoje damos amor (sofrimento?). Quando um vocacionado à vida religiosa sai de casa: o que sente a mãe? Alegria ou dor? A vida é dialética. Amor e sofrimento andam juntos. A cruz de Jesus Cristo, dessa maneira, é o paradigma do amor máximo. Nela encontramos sentido para a existência humana. “[…] a cruz representa nela a radicalidade do amor que se entrega sem reservas, num processo em que alguém é o que faz e faz o que é; ela é a expressão de uma vida que é totalmente ser para os outros” (RATZINGER, 2012, p. 209).

Na comunidade cristã de Marcos não estavam entendendo e aceitando a Jesus como Servo e sim como “Messias glorioso”. Jesus é o Messias das Escrituras, mas não o político-militar como se esperavam. Vale dizer que todos os messias (reis) não foram tão justos como esperavam. Pois, “[…] se Iahweh não guarda a cidade, em vão vigiam os guardas” (Sl 127, 1). Implica caminhar atrás do Mestre para entender com o coração e não com a mente. Coração em termos bíblicos significa a pessoa inteira, seu interior.

O foco é a fé em Jesus como o Messias às avessas, ou seja, Jesus é o Messias servidor. Ele é o Servo sofredor de Isaías. Marcos já inicia afirmando a identidade de Jesus: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1).

Jesus, assim, é o Cristo o mesmo que Messias. Cristo é um título no termo grego que corresponde a Messias no termo hebraico. O rei no Primeiro Testamento devia ser ungido como Messias do Senhor. A unção conferia o poder de governar. Hoje, pelo batismo, somos ungidos para governar-servir (rei), celebrar a vida ou oferecer (sacerdote) e anunciar a Boa Nova (Profeta).

Somos, portanto, messias no Messias Jesus, ou seja, cristãos no Cristo. Não no modo político-militar, mas no modo Servo servidor que por amor vive e faz viver. Estamos dispostos a caminhar atrás de Jesus Cristo, o Filho de Deus mesmo quando ele se dirige a Jerusalém? (cf. Mc 827-35). Lá é o lugar teológico da Páscoa. Não tenhamos medo! O Amor nos impele e nos realiza. Ele é nossa arma e nosso prêmio.  

 

REFERÊNCIAS

Bíblia de JERUSALÉM. Paulus, 2012.

CARRARA, Paulo Sérgio. Elevatio entis ad Patrem: a oração de Jesus e do cristão à luz do mistério pascal na teologia de Francois-Xavier Durrwell. BH: O Lutador, 2014.

CARMO, S. M do. Jesus: Boa-Nova universal de Deus. Goiânia: Scala, v. 2, 2014.

PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Paulinas, 2013.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. Loyola, 6ª ed. 2012.