Para falar de São Luís Orione e o feminismo, precisamos ir à raiz da realidade feminina na face da terra. Antes de tudo olhar e apreciar o ato criativo de Deus; o Deus Criador, que em seu projeto de Amor criou “ish”, igual Adão, primeiro homem e “ishá”, Eva, primeira mulher, os criou totalmente iguais; ambos formados com igual dignidade humana, criados por Deus, à sua “imagem e semelhança”, criaturas e filhos do Pai comum.
“Homem e mulher Deus os criou” (Gen 1,27), um projeto de harmonia para o ser humano. Uma imagem surpreendente aos olhos do Criador! Eva, retirada do lado de Adão para ser sua companheira na igualdade do ser e Adão reconhece essa equidade ao exclamar: “Esta sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (Gen 2,23).
“Eva, a mãe dos viventes” (Gen 3,20), na ordem natural, representa a humanidade em busca da própria autonomia. Maria Santíssima, a “nova Eva”, a mãe dos viventes na ordem sobrenatural da graça, a Mãe de Deus, que pelo seu “fiat” devolveu à humanidade “a maternidade resgatada do pecado e da morte…onde abundou a culpa, superabundou a misericórdia por Cristo, nosso Salvador”¹.
Maria, a mulher por excelência na vida de São Luís Orione, colocada entre seus grandes amores e lhe confiou a Pequena Obra da Divina Providência como nossa Mãe e celeste fundadora.
A luta aferrada das mulheres continua, ainda hoje, pela conquista do dom que o Senhor lhes presenteou no ato da criação. Homem e mulher um todo único, chamados a continuar a história da construção deste planeta, não de modo unilateral, mas juntos em comunhão e complementaridade.
Na sociedade, o ideal que fundamenta a vida é o valor do relacionamento pessoal, corporal e afetivo. Na visão cristã tem uma dimensão que transcende a realidade humana, é aquela espiritual, que encontra ressonância no pensamento de Santo Agostinho com esta oração que pode iluminar este entendimento: “Senhor, fizeste-nos para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Ti”².
Dom Orione, homem que soube viver em profundidade o amor em Deus, atento à realidade de seu tempo, acolheu e contemplou a mulher para além da concepção distorcida da sociedade sobre a imagem feminina; procurou, na caridade que não faz discriminação de pessoas, de grupos, de raça, de sexo, de ideias políticas, de religião, valorizar a mulher como parte integrante de uma história que é feita de dois gêneros masculino e feminino, evitando qualquer preconceito. Ele, pela graça de Deus, procurou desenvolver um pensamento e decisões avançadas para a sua época. Foi muito além da realidade onde vivia, motivado pela relação nas pegadas e exemplos de Jesus com as mulheres de seu tempo.
Valorizou o dom do movimento feminista e o considerou como “uma parte importantíssima da questão social”; disse que a Igreja estava longe de perceber as mudanças sociais em ato sobre a realidade feminina e que falhou ao tratar o feminismo com uma “lastimável leviandade”.
Em sua análise sobre a realidade da mulher diante do desafio encontrado pela sociedade pós-guerra, descreveu o aspecto positivo que a mulher há, intrinsecamente, no próprio ser, a capacidade que demonstrou ao inserir-se na sociedade e contribuir em diversos campos de trabalho, a habilidade ao assumir a administração em diversos ambientes e alcançar uma resiliência importante na batalha pela superação das situações adversas encontradas na realidade social e na gestão da própria vida.
Ela ofereceu, às solicitações que lhe foram feitas, empenho firme e competente nas missões: de anunciar a mensagem evangélica; de trabalho nas fábricas, de atuação nas diversas áreas das Ciências, de promoção humana nas escolas infantis e juvenis, de atenção e cuidados com os idosos, de serviço nos correios, telégrafos, MCS, de atuação nos meios de transportes, etc.
Dom Orione se envolveu com grande ânimo no empenho social em prol das mulheres trabalhadoras nos arrozais na superação dos sofrimentos e exploração, que padeciam; e, sobretudo, às jovens inexperientes. Incentivou-as à luta, à reivindicação dos próprios direitos referentes, ao horário, salário, saúde, o problema de centena de mortes, ocorridas anualmente, devido às condições de insalubridade no campo dos arrozais. Diante dessa situação em que se encontravam as mulheres.
O Fundador não hesitou em posicionar-se em favor das “mondine” como eram chamadas as operárias dos arrozais. Ele fez um proclame de denúncia e, ao mesmo tempo, de conscientização ao proletariado de arrozais, pediu-lhes a permanecerem de pé! Incentivou-as à união, orientou-as e insistiu para que elas fossem fortes na luta: “organizem-se, imediatamente, e se organizem todos; constituam a Liga das trabalhadoras dos arrozais… formem “um batalhão de mulheres e adiante em nome de Deus”!
No mesmo texto ofereceu-lhes esta reflexão: “A união faz a força! Toda corrente que retira a liberdade aos filhos de Deus, deve ser quebrada, toda escravidão deve ser abolida, toda escravidão deve terminar e terminar para sempre… O Senhor Deus está com vocês: caminhem à luz de Deus e ninguém jamais poderá parar a marcha triunfal! Pelo interesse de vocês, da família, da própria alma!…Proletariado dos arrozais, em pé e avante”!³
Orione entrou em colaboração com muitíssimas mulheres que enumerá-las aqui seria impossível. Espelhou-se na relação de Jesus com as mulheres.
Alguns nomes, porém é bom recordá-los como testemunho prático de seu relacionamento com o feminino.
Quando vemos fotos de Dom Orione, o encontramos, quase sempre, acompanhado de mulheres. Muitas delas ocuparam-se no voluntariado, e no início da fundação de suas obras, ele encontrou ajuda significativa de Angelina Poggi, que lhe ofertou 400 liras; Teresa Agazzini deixou-lhe a casa onde ele deu início ao apostolado das PIMC; Carlota Celesia, doadora de uma casa para órfãos; Maria Gambaro, sua grande amiga, onde muitas vezes ele ia visitá-la em sua casa; Madre Teresa Michel com quem pensava unir seu instituto ao dela; a Condessa Gabriella Spalletti Risponi, que o ajudou no terremoto de Messina; Adele Costa Gnocchi, que se conheceram no terremoto de Avezzano e estabeleceram amizade; Queirolo, benfeitora do Cottolengo de Gênova; Rosa Bariani e Delfina Cresmachi com quem pensava dar início ao instituto feminino; a marquesa Giuseppina Valdettaro com quem iniciou o Instituto das PIMC.
Para Dom Orione o voluntariado feminino era uma força apostólica imprescindível nas obras de caridade, mesmo que tivesse muitas religiosas, pois mesmo sendo muitas, seriam sempre poucas para missão eclesial e da sociedade que esperava muito das irmãs. Sua própria mãe foi voluntária junto às obras orionitas. O laicato feminino era necessário para realizar dentro e fora das obras muitas coisas que não estavam ao alcance das religiosas.
Ele pensava também em associações para colaborar nas obras orionitas e fundou as Damas da Divina Providência, grupo que associou muitas mulheres.
Não é possível pensar em Dom Orione sem a companhia, a amizade e a colaboração de mulheres que lhe apoiassem no sustento e no avanço das Obras da Pequena Obra da Divina Providência. Maria é a Mãe, a “fundadora da PODP”. Essa herança continua forte ainda hoje em nossa realidade de família carismática.
Ir. MPriscila, pimc
Savona, 23 de fevereiro de 2022
REFERÊNCIAS:
1 Prefácio do Advento II, A.
2 Confissões I,1,1.
3 Giornale Il Popolo di Tortona, Tortona, 20.04.1920, publicava o estatuto, as normas, excitações pela formação urgente em cada município do “Sindicato das trabalhadoras dos Arrozais”. Proclame de Don Orione. Jornal La val staffora. Tipografia Don Orione. Tortona,15.05.1919, Jornal interparoquial. ADO. Scritti di Don Orione, vol.81, p.69-72.