29 dez "Eis-me aqui!" "Para sempre!" "Totalmente!"
Roma, 27 de novembro de 2016
Caríssimos Confrades,
“Começo em nome do Deus bendito, sob o olhar de nossa Mãe celeste e Santa, Nossa Senhora da Divina Providência!”.
Com estas palavras Dom Orione iniciava uma de suas cartas de 1920 e estas podem ser, também, hoje, as palavras justas para colocar-nos em sintonia com o nosso Pai Fundador no início de um novo Ano Litúrgico e na recordação da recente Solenidade da Mãe da Divina Providência (20 de novembro), Patrona principal da Congregação.
Sabemos bem! Para Dom Orione, cada dia, cada ano, cada evento, cada decisão, cada desejo, como também qualquer realização era “de Nossa Senhora da Divina Providência”. A Ela entregava todo projeto e referia toda gratidão. Dela esperava graças ordinárias e intervenções miraculosas. Tinha uma tal polarização mariana, uma tal concentração – constante, tangível, confiante – a ponto de poder afirmar: “Tudo é graça de Maria!”.
Olhando o nosso passado reconhecemos que a proteção mariana não sofreu nenhuma interrupção. Foi sempre perene e contínua. Por esse motivo nos associamos ao nosso Pai Fundador para dizer que “à Santíssima Mãe a nossa pequena Congregação deve tudo: deve se nasceu e ainda vive, se caminha e continua fazendo o bem…”. E, ao mesmo tempo, olhando o nosso presente e pensando ao nosso futuro, continuaremos a rezar com confiança: “Recorda-te, ó Senhora, da tua Congregação da qual, desde o início, foste a Patrona Celeste!”.
Eis-me Aqui
O tempo do Advento, que agora se inicia, é particularmente o tempo da Mãe, da Mãe da Divina Providência, da “Mãe do Eis-me aqui”. De fato, com o seu “Eis-me aqui”, Maria deu o seu consentimento à palavra divina e abraçou “o desígnio salvador de Deus, consagrando-se totalmente como serva do Senhor, para servir ao mistério da Redenção”. Portanto, não um “instrumento passivo nas mãos de Deus”, mas uma cooperadora “com livre fé e obediência” (cf. Lumen Gentium 56).
A mesma expressão que marcou o início da divina aventura mariana está presente na origem da nossa vocação religiosa e sacerdotal e é repetida cada dia em que renovamos a nossa disposição em servir ao Senhor, para colaborar na obra da Redenção. Eis-me aqui! Além disso, esta palavra foi sacralizada em alguns momentos importantes do nosso itinerário vocacional, como uma expressão da nossa livre e consciente disposição de servir ao Senhor em uma condição e missão bem definidas. De fato, observando e meditando com atenção os diversos ritos litúrgicos com os quais a liturgia ordena, consagra ou envia alguém para o serviço missionário, se verifica o mesmo início: o chamado (“Queira aproximar-se aquele que…”) e, em seguida, a resposta: “Eis-me aqui!”.
Poderíamos pensar – não sem grave prejuízo à teologia do rito – que a colocação de tal chamado no começo, fosse simplesmente um ato funcional para dar início prático à cerimônia (“Apenas para iniciar!”). Em vez disso, vemos que a sua colocação na origem é teologicamente importante, biblicamente fundada, canonicamente tranquilizante, dogmaticamente significativa, humanamente respeitosa e divinamente esperada.
No início do nosso itinerário vocacional há um “Eis-me aqui”. Não uma palavra descritiva, mas a expressão de uma ação verdadeira e própria, realizada por um sujeito livre e consciente (Liberdade e Consciência são as duas exigências fundamentais, conditio sine qua non, para poder entrar legitimamente no Rito). É a afirmação de um estado de alma, semelhante àquele vivido e manifestado por Maria: “Eis-me aqui, estou totalmente à disposição do projeto divino da salvação”.
O ponto de partida, sem o qual não se constrói nada, é a disponibilidade. Depois, o rito prossegue o seu dinamismo e, da disponibilidade (Eis-me aqui!), indicará que o serviço/ministério assumido deve ser direcionado à comunhão (cujo sinal é o abraço no final do rito), através do amor obediente (na ordenação sacerdotal manifestado através da resposta às quatro perguntas sobre o “Queres?” e uma sobre o “Prometes?”) e a entrega total (prostração). Todos os ritos destinados ao serviço ministerial ou à consagração, portanto também aquele da Profissão, tem o mesmo dinamismo: da disponibilidade à comunhão, através da manifestação do amor obediente. Deste modo, a liturgia nos torna o ministro/servo, disponível, totalmente nas mãos do Senhor.
No princípio – para Maria e para nós – há um Eis-me aqui, pronunciado de modo livre e consciente. No início o rito nos coloca no meio do povo, sentimos uma voz que nos chamava, podíamos permanecer ali ou tomar uma outra estrada, mas nos levantamos e respondemos ritualmente, consagrando a nossa disponibilidade, “Eis-me aqui!”. Depois, no decorrer dos dias, pouco a pouco, descobrimos o conteúdo e as consequências daquela resposta porque aquele Eis-me aqui nos deu um futuro. Mas é verdade também, que aquilo que para nós era apenas esperança e futuro, para o Senhor era já “presente” (“Os meus caminhos vos são todos conhecidos. A palavra nem chegou à minha língua, e já, Senhor, a conheceis inteiramente!” Sl. 138). Tudo previsto, concentrado, registrado. Na verdade aquele Eis-me aqui é o nosso “DNA vocacional” que se desenvolve pouco a pouco, dia a dia, na nossa história: “Tu, segue-me!” (cf. Jo 21, 22).
Caros Confrades, que o tempo do Advento nos ajude a compreender, ainda mais, a profundidade e o significado do nosso “Eis-me aqui”, na salutar recordação do nosso “primeiro Eis-me aqui” (o primeiro amor). Para ajudar-nos podemos nos deixar inspirar pelo testemunho de vida de nosso Pai Fundador, que, até o fim, se colocou totalmente disponível ao Senhor: “Sinto, agora mais do que nunca, de ser um pobre trapo inútil: confio na misericordia do Senhor e nas orações (…). Pelo pouco que o Senhor desejará de mim, eis-me aqui pronto. E, se nos dias de vida que ainda me restam, me será concedido de confortar mais algum pobre, de levar alguma consolação ao coração do Papa e dos Bispos, que Deus seja louvado também nesta obra!”. E isso ele escreveu no dia 5 de março de 1940! Eis-me aqui do começo ao fim!
“Por toda a minha vida”: até quando dura um “para sempre”?
Desde que celebramos o Capítulo Geral, muitos dos nossos confrades “consagraram ritualmente” o próprio “Eis-me aqui”. No dia 2 de julho, Geraldo Magela da Silva (Província Brasil Norte) e no dia 26 de novembro, Carlos Enrique Liscano Riera (Viceprovíncia de Madri) pronunciaram o “Eis-me aqui diaconal”. Outros confrades responderam com o “Eis-me aqui sacerdotal”: na Província Argentina, Abel Isidro Olmedo Riveros (13/8); na Província N. D. Afrique, no dia 26 de junho, Alain Jacques Sawadogo; e no dia 2 de julho: Balibié (Justin) Bamouni, Arnaud Kambire Berwuole, Guy Roland Nana e Gildas Ouedraogo; no dia 9 de julho, Bogmsa Badiligma (Wil.) Simfeya, Wend-Malgueda Polycarpe Tapsoba, Assiaténa (Vinc. de P.) Arinim, Dièn (Donatien) Koumantega e Kodjo Atchiké (Pierre) Kpongbe; na Delegação: Raju Sowraj (27/8); na Província de Roma, aos 10 de setembro, Luca Ingrascì e no dia 30 de outubro, Andryamahandry Heritiana Rasoamiaramanana.
Enfim, quiseram consagrar “para sempre” o próprio “Eis-me aqui” na Congregação: na Província de Varsóvia, no dia 8 de setembro: Piotr Mosak, Michal Pawlowski e Pawel Urbanski. Na Província N. D. Afrique, no dia 10 de setembro: Saidou (Emmanuel Marie) Abdou, Akila Jean Baptiste Gueba, Yves Dieudonné Gyengani, Blonsky Serge Marius Kouadio, Arthus Cyrus Roi Secka e Julien Tapsoba. Na Delegação, no dia 15 de outubro: Ian Kiprotich Katah. Na Província Brasil Norte, no dia 10 de novembro: Sebastião Bertoldo Tigre Filho e no dia 12 de novembro: Fabiano de Oliveira e Renaldo Elesbão de Almeida; na Província Brasil Sul, aos 12 de novembro: Rui Pedro Fernandes Nobre Pires, Adriano Roque da Silva e Carlos Santos da Silva.
Estes confrades, nas diversas línguas da Congregação, disseram: “Faço voto de Castidade, de Pobreza, de Obediência e de especial Fidelidade ao Papa, por toda a minha vida”. É a parte central e fundamental da nossa fórmula de profissão religiosa perpétua. Sem dúvida, palavras corajosas e contracorrentes, cheias de audácia e de generosidade. Totalmente de Deus, para sempre, na família de Dom Orione.
Para assegurar, todavia, a autenticidade do gesto realizado pelos jovens, mas também para recordar o compromisso da promessa que um dia manifestamos e, sobretudo, para provocar uma reflexão a quem está prestes a pedir a admissão à profissão perpétua, é necessário deixar-se interpelar por uma pergunta vital e delicada: Quanto tempo dura um “para sempre”? Até quando vai um “por toda a minha vida”?
A pergunta, à primeira vista, parece totalmente sem sentido. Colocada deste modo, até uma criança responderia: “para sempre é… para sempre!”. Uma profissão perpétua não tem prazo de validade, ou melhor, a sua data de validade é a vida; “por toda a minha vida”, dissemos na nossa fórmula de profissão.
Esta pergunta, porém, é justificável e tem um sentido vital para nós. Quando um religioso, que vive com doação e responsabilidade a sua consagração, pergunta a si mesmo “qual poderia ser o limite do para sempre” e se interroga sobre o “sentido da consagração” ou também sobre a atualidade da vida religiosa “nos tempos em que vivemos”, está apresentando questões arriscadas e sensíveis que até poderiam comprometer o seu projeto de fidelidade. Todavia, um religioso que, nunca na vida, tenha feito a si mesmo uma pergunta deste tipo, dificilmente será um bom religioso. A sua idoneidade em cumprir os seus deveres e a qualidade da sua doação dependem totalmente da sua atitude em ser religioso com a consciência do significado da promessa feita e dos compromissos assumidos. Contrariamente, se não tem consciência do empenho pode se tornar, muito facilmente, um simples funcionário do sagrado que repete a cada dia os mesmos gestos, um mero executor de horário, que contabiliza tempo e trabalho sem empenhar-se com o espírito de família, alguém que permanece e se doa à Comunidade até quanto isso basta para justificar suas próprias exigências. Estas atitudes e este modo de comportar-se, regulando-se segundo o princípio da monotonia da quotidianidade, sem comprometer-se, não são suficientes. O religioso até poderá permanecer na Congregação, mas o fará muito mais porque tem medo de arriscar um outro caminho, muito mais por preguiça e comodidade que por convicção pessoal. E às vezes acontece que, quando passa por um momento de prova ou quando recebe um convite para lançar-se com maior generosidade, provavelmente não estará disponível.
Infelizmente diante de algumas situações de abandono a pergunta assume também um significado doloroso. Os motivos são tantos, cada situação e pessoa são únicas. Não podemos generalizar e muito menos minimizar os sentimentos e as motivações. Todavia, é justo reconhecer, com Papa Franceisco, que hoje se nota “uma preocupação exagerada pelos espaços pessoais de autonomia e de distensão, que leva a viver os próprios deveres como um mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade” (cf. Evangelii Gaudium, 78). A consequência, continua o Papa, é “uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e uma queda do fervor”.
Ao colocar para si mesmo a pergunta sobre a duração do seu “para sempre”, o bom religioso, o “religioso filho”, não dará uma resposta temporal, relativa ao chronos, à quantidade, à duração no tempo físico. Dará, sim, uma resposta fundamental (É para sempre!), mas na linha do kairós, “o tempo que não pode ser medido por uma unidade de tempo”, uma resposta que servirá de fundamento, de base, ponto original e simbólico de um projeto “de toda a vida”. E terá, certamente, a consciência que a sua resposta é dada no tempo, na complexidade dos tempos atuais, de tanta “liquidez”, em um contexto desfavorável às escolhas irrevogáveis, certo de não estar imune às circunstâncias de fragilidade que podem tocar a sua condição humana. E é por este motivo que a pergunta sobre a duração do “para sempre” deve ser sempre acompanhada por uma outra: Como manter-se fiel à promessa do “para sempre”?
Creio que o capítulo 25 do Evangelho de Mateus possa ser considerado uma bela resposta a tal pergunta. Como perseverar e manter-se vigilante e fiel ao compromisso definitivo de resposta ao chamado do Senhor?
No mencionado capítulo do Evangelho, encontramos três parábolas sobre o Reino: as parábolas das Dez Virgens, dos Talentos e do Juízo final.
Na primeira (1-13), as Dez Virgens esperam, com as suas lâmpadas, a chegada do esposo. Cinco delas são definidas tolas porque “pegaram as suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo” (v. 3), as outras cinco são consideradas “prudentes” porque “levaram vasilhas com óleo junto com as lâmpadas” (v. 4). Quando, no meio da noite chega o esposo, somente as prudentes tinham uma reserva de óleo suficiente para acompanhá-lo às núpcias. Eis a lição da parábola: é prudente quem é previdente e conserva consigo uma reserva de conteúdo que o mantenha “para sempre” e “por toda a vida” previdente e seguro à espera do Cristo que vem; ao contrário, a imprevidência é um sinal de estultice, além de falta de empenho e de descaso. Além disso, o óleo da parábola representa o empenho pessoal e a própria responsabilidade que não podem ser supridos pelos outros.
Em seguida, temos a Parábola dos Talentos (14-30) – é a segunda – e conhecemos bem a sua dinâmica com os três servos que recebem do patrão uma certa quantidade de bens, “cada um segundo a própria capacidade”. Os dois primeiros servos, mesmo recebendo uma quantidade diversa de talentos, trabalham e se empenham para frutificar quanto tinham recebido. A distinção que se nota na quantidade confiada (a um cinco talentos, a outro dois talentos), não aparece no momento da prestação de contas quando todos os dois são elogiados do mesmo modo, com palavras e méritos iguais, pelo esforço que empreenderam. Isso quer dizer que a quantidade não é determinante, mas sim a qualidade da resposta ao mandado do patrão. Logo em seguida, a atenção se volta para o terceiro servo que, ao contrário dos companheiros, é preguiçoso, possui uma imagem dura e exigente do patrão e assim, movido pelo medo, conserva e se contenta com o mínimo, “foi esconder o seu talento na terra”. Por isso, à questão sobre como conservar-se fiel no “para sempre”, a parábola dos talentos responderia indicando que é necessário agir como e com os dois primeiros servos, sem medo e sem isolamento, para frutificar o dom, o talento recebido.
Por fim, a última parábola do capítulo 25, sobre o Juízo Final (31-46). Nessa são elencadas obras simples, quotidianas, quase banais da vida normal de cada dia. Bendito é aquele que deu de comer a quem tinha fome, deu de beber a quem tinha sede, quem visitou o preso e o doente. Enfim, quem fez um pouco de bem ao próximo. A mensagem é, mais uma vez, muito clara: grave é a omissão, o não fazer o bem que deve ser feito; maldito é quem vive egoisticamente e quem gasta a sua vida sem perceber o rosto de Cristo no irmão. Portanto, o texto quer nos proteger da tentação do “deixa pra lá”, revelando a importância e a seriedade de uma quotidiana escolha pelo bem, pelo valor de cada gesto, mesmo pequeno e simples, de bondade e de solidariedade. Para nós, filhos de Dom Orione, a conclusão é imediata: “Só a caridade salva!” e pode manter-nos fiéis no “para sempre”.
Portanto, o capítulo 25 do Evangelho de Mateus nos transmite algumas mensagens essenciais, em comunhão com as nossas Constituições e também com as três prioridades/orientações do XIV Capítulo geral:
– A Parábola das Dez Virgens nos recorda que o cuidado para manter-se fiel no “para sempre” é um dever de toda a vida. “É, pois, tarefa nossa: manter-nos continuamente dóceis à ação do santificadora do Espírito; aperfeiçoar diligentemente nossa cultura espiritual, doutrinal e técnica; prestar ouvidos e ser criativos diante dos sinais dos tempos” (cf. Constituições 110). Por isso o Capítulo nos indicou como prioridade do sexênio a “formação”: “educar as pessoas a cuidarem de si mesmas e, ao mesmo tempo ao cuidado das relações comunitárias, fornecendo sempre novos estímulos para reavivar o dom recebido (cf. 2 Tm 1,6), que muitas vezes arde sob as cinzas, mesmo naqueles confrades que parecem estar em crise profunda”.
– A Parábola dos Talentos nos recorda que o “para sempre” é um “dom preciosíssimo”; por isso “procuremos cada dia merecê-lo e implorá-lo continuamente na oração” (cf. Constituições 113). O Capítulo nos indicou uma segunda prioridade para o sexênio: “Colocar no centro a vida comunitária e a valorização dos confrades”. À luz desta prioridade, a parábola revela que o lugar ideal onde investir os nossos talentos, para que sejam frutuosos, é o terreno comunitário. Além disso, nos ensina que, para fazer isso, é melhor aliar-se com aqueles que dão exemplo de laboriosidade e generosidade.
– A Parábola do Juízo Final dá sentido ao nosso “para sempre”, porque consideramos “um privilégio servir Cristo nos mais abandonados e rejeitados, pois no mais miserável dos homens brilha a imagem de Deus” (cf. Constituições, 119). E, por tal motivo, o Capítulo nos indicou a terceira prioridade: “Atualizar o carisma entendido como vida no Espírito, que se traduz na caridade. É necessário superar a simples atividade filantrópica, encontrando formas para testemunhar Jesus junto ao serviço; é preciso voltar a tocar a carne de Cristo”.
“Eu me ofereço totalmente”: a qualidade do “para sempre”
Na recitação da fórmula da profissão perpétua, conjugamos o verbo “oferecer” na forma reflexiva (“eu me ofereço”), indicando que a ação de “oferecer” se referia a nós mesmos (a ação expressa pelo sujeito se reflete sobre o próprio sujeito). Portanto, sujeitos e objetos da ação. Logo depois, tal oferta é qualificada com um advérbio: “totalmente”.
No “totalmente” existe uma concentração de qualidade, que determina a essência e a natureza da consagração a Deus. Se o “para sempre” se situa mais em relação ao tempo (chronos ou kairós), o “totalmente” se refere ao modo como é vivido, a sua qualificação.
Retomando as parábolas do capítulo 25 do Evangelho de Mateus, nos damos conta de uma mensagem que é comum a todas as três: não basta se satisfazer com o pouco, se é possivel fazer mais; é arriscado viver do mínimo e apenas cumprindo o dever; a comodidade, a falta de entusiasmo, o pensar apenas em si mesmo, é um dano à vida pessoal, comunitária e congregacional. Ao contrário, é necessário oferecer-se “totalmente” para conquistar aquele status de “religioso filho” descrito por Dom Orione: para o religioso filho “nada existe de mais caro, depois de Deus, do que a sua Congregação! Ele nada mais deseja do que vê-la prosperar, crescer sobre a face da terra, para a maior glória de Deus (…) Reza, sofre, trabalha, cansa-se sem repouso pela sua Congregação. Quem são os religiosos como este? São os ‘filhos’… Qualquer que seja o ofício em que for ocupado, o religioso filho estará sempre contente (…) Que nenhum de vós seja ‘servo’ ou parasita, mas todos ‘filhos’, verdadeiros Filhos da Divina Providência ” (Vila Moffa, 12/8/1939).
De fato, as três parábolas evangélicas apresentam estímulos interessantes para colocar-nos no itinerário do sonho de Dom Orione, no itinerário de um amor generoso, de quem se oferece com “coração sem limites”, “sem fronteiras”. Mas, para alcançar esta meta é necessário evitar a redução do sonho. Alguém poderia dizer que este é um mal dos nossos tempos, mas na verdade é um mal já presente nos tempos bíblicos. Nos personagens de cada parábola (as cinco virgens tolas, o servo temeroso, os cabritos da terceira parábola) vemos que não se prepararam além do mínimo, vemos o temeroso e o preguiçoso, os egoístas. Todos com um projeto mínimo de vida, apenas propostas imediatas. São aqueles que reduziram o sonho. Caíram na tentação de “aceitar de modo semiconsciente a mediocridade” (René Voillaume).
Por outro lado, os personagens positivos nos ensinam a vencer o sentimento de medo e a alimentar-nos sempre daquele espírito orionino tão bem condensado no “Ave-Maria e Avante!”. Ensinam que unir-se àqueles que partilham os mesmos propósitos, com os generosos e com aqueles que se esforçam – embora não sejam necessariamente perfeitos – seja uma boa coisa. A fraternidade motiva, dá impulso e encoraja a fazer o bem; pode ajudar-nos a sermos ousados e decididos em nossas próprias convicções.
Enfim, o “Eis-me aqui”, o “para sempre”, o “totalmente” são expressões que indicam os grandes ideais, os sonhos elevados da nossa vida e estes tem a força e a capacidade de despertar a nossa generosidade, de provocar a nossa audácia e de evidenciar o nosso compromisso para o bem. São atitudes que nos libertam da tentação de viver com indiferença neste mundo, preocupando-nos talvez de pobres interesses pessoais. Convidam-nos à encarnação, plena e total. São ideais que nutriram espiritualemente os grandes da História da Salvação. Quando Deus colocou Abraão à prova, ouviu a sua voz “Eis-me aqui!” (Gn. 22, 1); quando Deus chamou Moisés da sarça ardente, a resposta foi “Eis-me aqui!” (Ex. 3, 4); quando o Senhor chamou Samuel, novamente a resposta foi “Eis-me aqui!” (1Sam. 3, 4); quando o Senhor chamou Isaías, ““Eis-me aqui, envia-me!” (Is. 6, 8); quando, através do anjo, chamou Maria, se alegrou ao ouvir a resposta: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc. 1, 38). Mas, quando Deus chamou Adão no jardim do Éden, não ouviu nenhuma resposta e depois de insistir (“Onde estás”), o homem disse: “Tive medo e por isso me escondi” (Gn. 3, 8s).
Caros confrades, que o Senhor possa conceder a todos nós que pronunciamos e consagramos o nosso “Eis-me aqui”, a graça da fidelidade também nas circunstâncias desfavoráveis e a graça da disponibilidade, ativa e generosa. Que nunca nos esqueçamos que o segredo do “para sempre” e do “totalmente” o possuem aqueles que são previdentes, empenhados e generosos. Bem conscientes de que esta é também uma graça que devemos pedir, a cada dia, com insistência, ao Senhor!
Bom tempo de Advento!
Pe. Tarcísio Vieira
Proposta para continuar a reflexão:
1. Aproveitar o texto (talvez uma parte previamente selecionada), para o encontro comunitário, oferecendo a possibilidade de um tempo de partilha para ampliar e enriquecer a reflexão.
2. Pode-se também preparar uma “Lectio Divina” sobre o capítulo 25 do Evangelho de Mateus ou sobre uma das três parábolas.
3. Olhando para o estilo da nossa Comunidade, quais aspectos devem ser valorizados porque nos ajudam a mantermos a fidelidade ao “para sempre” e ao “totalmente”?
4. Como podemos viver o Advento na perspectiva de ser “boa notícia”, dom para os outros? A “troca de presentes” em Comunidade poderia ser também um momento de partilha para descobrir que cada um é dom para os outros!
Sorry, the comment form is closed at this time.