MEDO DE ASSALTO

OS ESTEREÓTIPOS NA IMAGINAÇÃO

 
 
 
Durante o dia nossa vida parece mais fácil de viver. A claridade, por incrível que pareça, esconde a verdadeira cidade no período da noite. Andar sozinho, ver vultos, acabou gerando nestes tempos de violência, o medo obsessivo. Claro, é o medo de perdermos nossas vidas por uma bala, um assalto, um carro desgovernado por um bêbado, estupradores, ladrões de todas as espécies. Tragédias sem fim, que fazem as delícias dos jornalistas sensacionalistas. 
 
Ouvimos de duas senhoras apavoradas a síntese deste novo trauma, constante. Este pavor assusta as pessoas diante das cenas de horror, matéria prima para televisão, rádio, jornais e mesmo certas religiões. 
 
– Nossa, Dona Jandira, pensei que íamos ser assaltadas. Via apenas os vultos atrás de nós, mas sei que eram negros, nordestinos, até uma moça tatuada.
 
 – Aqueles homens nos fizeram trocar de calçada. Sabe-se lá o que poderiam fazer. Lembra da dona Margarida que foi…
 
– Nem me faça lembrar. Até hoje ela toma remédio para a depressão. E o pior é que ela foi na delegacia e o delegado colocou-a na frente dos assaltantes e perguntou se ela os reconhecia.
 
– Claro que disse que não. Que delegado ingênuo.
 
– Mas no fim, a senhora viu? Eram operários e entraram na fábrica. 
 
– Não sei, Dona Leda. Mas é melhor trocar de calçada. Não dá nem para ir mais sozinha depois que escurece.
 
Que triste. Criou-se no imaginário que os afrodescendentes, nordestinos e pobres  são do mal e os engravatados são gente do bem. Os descendentes de arianos são respeitáveis e os demais bandidos. 
 
Que mundo chegamos? Como iremos reverter todo este quadro? Começamos nossa história lembrando que os negros estão cansados de tanta humilhação. O dia 13 de maio de 1888, libertação dos escravos, percebemos que foi mais um projeto político, para liberar as fazendas para os novos imigrantes. Os negros foram exonerados sem nenhuma indenização.  Formaram os cordões das periferias.
 
Recentemente os povos negros, apoiados pelas pastorais da Igreja, descobriram que precisam ainda lutar por seus direitos. Surgiu o dia da Consciência Negra, para despertar sobre o racismo, a marginalização das populações de ascendência africana e  reivindicar seus direitos. A data é marcada pelo dia da morte de Zumbi, Rei dos Palmares. Como é triste ver religiões que se dizem cristãs tratando com desprezo e racismo as religiões e a cultura dos negros. Em nome de Jesus, tramam pregações diabólicas. 
 
Zumbi tem uma história belíssima. Ele lutou pelo seu povo e tentou mudar a visão dos homens brancos. Infelizmente, ainda em nossos tempos, os afrodescendentes não conseguiram iluminar a mente dos tais arianos. Mesmo com a miscigenação, o amor entre brancos e negros, com as raças se aproximando, ainda o racismo é sentido no país e em nosso cotidiano. 
 
Bem feito para nós, povo brasileiro. Criamos, como Dona Leda e Dona Jandira, um estereótipo dos bandidos como negros, nordestinos e pobres e nem percebemos que os maiores bandidos do país são brancos, muito ricos, usam brilhantina no cabelo e vestem terno e gravata.  Claro que tem violência nas periferias e precisam ser punidas, mas não habitam as periferias os grandes malfeitores da sociedade; ao contrário habitam palácios, mansões em condomínios de luxo e vestem grifes.
 
Devemos tomar cuidado quando saímos pelas ruas e praças, mas nosso maior cuidado e a punição deve ser pelos que vivem no luxo. Está mudando, os homens brancos, os tais  colarinhos brancos, estão sendo presos como os verdadeiros bandidos da pátria.
Na verdade, antes de prendê-los, se procura saber se a prisão tem condições; questão nunca colocada para prender os infratores pobres, negros, indígenas e camponeses. 
 
Virá o dia em que todos, ao levantar a vista, verão em nossa pátria, reinar a honestidade e a justiça. Por hora, que nosso preconceito não seja contra os excluídos, mas contra aqueles que assaltam o povo. E que mudemos nosso estereótipo para nos protegermos dos verdadeiros bandidos. 
 
 
 
 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia