VIVER NA SIMPLICIDADE
Um casal de amigos, Manuel e a Maria adoram viajar. Lutaram muito para estabilizar suas vidas sociais e hoje estão aposentados. Depois que os filhos casaram, quase todos os anos vão visitar alguns países ou algumas cidades. Não tem sido fácil, em tempos de crise. Desta vez nos convidaram para contar a viagem e foi impossível dizer não para ver as fotos da viagem. Contaram uma trágico-cômica história:
– Nossa viagem teve um problema, a mala foi perdida pela companhia aérea. Que aliás foi muito negligente.
– Vocês estão brincando! – disse o Osmar interessado na história.
– Como foi isso? – disse a Valéria, esposa do Osmar.
– Bem – contou o Manuel, nem preciso dizer que nasceu em Portugal e é uma pessoa muito legal e divertida
A Maria interveio – chegamos ao país, onde não falavam inglês e praticamente somente a língua nativa.
– E a mala sumiu, não apareceu depois? – disse o Geraldo.
– Doze dias depois chegou a mala. Dentro de uma viagem de vinte e um dias – contou.
– Como vocês fizeram? – perguntou a Ilka, mulher do Geraldo.
– A gente se virou praticamente com o que tínhamos – contou Maria.
A Ellen do Daniel, com sua doçura infinita, exclamava expressões de piedade. Até o Daniel segurou a mão dela para não se emocionar muito.
– Como fizeram para viver sem os objetos de uso pessoal, perguntou a Valquíria do João Galvão?
– Eles devem ter vivido uma experiência impossível, disse Ricardo da Cristina
E nos narraram a odisseia da viagem, chegaram a um dos países do leste europeu onde desembarcaram e não encontraram a mala grande que tinha as roupas dos dois e um mundaréu de coisas.
Maria havia levado uma blusa na sacola de mão com os pertences naturais que uma mulher leva, além de passaporte, dinheiro, medicamento de pressão e uma blusa (de emergência) e uma sandália para ficar à vontade no avião. Manuel havia levado uma pasta com o notebook e seus pertences, como o barbeador, documentos, etc.
Nada da mala chegar. Fizeram a ocorrência do acidente na companhia aérea e foram para o hotel. Já era tarde da noite, nada mais a fazer do que tomar banho e dormir. A história começa agora, o que fazer?
Ligaram o telefone, e aí começam os gastos, para a companhia aérea e o seguro de viagem. Foram autorizados a gastar apenas cem dólares cada um para comprar pertences pessoais.
Foram e compraram as coisas mais essenciais para a sobrevivência imediata, as primeiras necessidades. E assim, lavavam todo dia as roupas. Era tempo de calor no país. Ainda bem. Resolveram que não iriam gastar um tostão com roupas, além da cota do seguro. O dinheiro que levaram era para passear. Uma novela de tentativas, descaso e respostas evasivas. Seguro funciona bem na hora de receber, mas na hora de restituir, aparece as pequenas regras.
Depois de 12 dias levaram para o hotel a mala, toda arrebentada, com todos os pertences deles, daí puderam usar algumas roupas que tinham levado, mas a esta altura eles já tinham feito setenta por cento da viagem.
Engraçado. Na maioria dos lugares onde estiveram, a gente os vê nas fotos com as mesmas roupas, somente muda no último passeio quando as malas tinham chegado.
Mas algo interessante aprendemos, disse o Manuel.
– Como a gente cria necessidades. Vivemos tranquilos durante os dias sem a mala, pois somos exagerados. Sempre achamos que vamos precisar de tudo, no entanto quando a necessidade obriga conseguimos viver com poucas coisas.
– Deem uma olhada no armário, na cozinha. Vejam quantas coisas desnecessárias, compradas por ímpeto. Veja como acumulamos tantas coisas. Será que somos tão carentes e pobres no espírito que precisamos compensar com futilidades desnecessárias?
Precisamos refletir, quando o Papa Francisco nos diz que devemos ficar um pouquinho mais pobres, para que os pobres dos pobres não vivam na miséria. Temos demais e nem percebemos o quanto temos. Precisa nobreza de espírito para viver com o necessário, sem futilidades.
– Na mais perfeita ordem, disse o Manuel.
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e
Teologia Sistemática – Cristologia
Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e
Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia