A PARTILHA DOS ESPÓLIOS
Algumas cenas são memoráveis na vida. Foi interessante ver uma destas cenas para entender melhor o que acontece no nosso país. Poderíamos chamar de brincadeira, mas levando-se em consideração que o resultado foi mais sério do que pensamos, nos deparamos com valores éticos inquestionáveis.
Caminhando pela Vila Paulista, vimos algumas crianças que tinham entrado “indevidamente” num terreno muito grande que está totalmente fechado. Eles pularam o muro e foram “apanhar” goiabas na própria árvore. Não sabemos se vale o verbo, mas eles estavam “roubando goiabas”.
Estávamos justamente na calçada quando o último jogou o saco das goiabas e pulou o muro. O diálogo foi surrealista. Os meninos dividiam as goiabas roubadas:
– Eu vou ficar com dez goiabas. Fui eu que falei da árvore – falou o pequeno chefe.
– Mas fui eu que trouxe o caixote para saltar o muro – reclamou o segundo.
– Eu que trouxe o saco das goiabas – disse o terceiro gatuno.
– Espere aí, – disse o quarto – vamos dividir como fazem os políticos, cada um leva o que pegou. Afinal a árvore não é nossa, é do Brasil, e o Brasil é nosso.
Olhamos para eles e vendo nossas reações, resolveram sair em disparada e o último falou:
– Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão – e saíram, já anoitecendo e desaparecendo com as goiabas.
Pensamos sobre o que estes jovens estão vendo na Internet, televisão e nos jornais em que a política está tão suja que somente se fala em propina, roubo, contas no exterior, jantares luxuosos com o dinheiro que seriam para a educação e os hospitais. Propriedades sem definição de donos, muitos ganhando e os pobres padecendo cada vez mais. E mais impostos, no país e na nossa cidade.
Estas crianças estão aprendendo, pelo método mais terrível, a desonestidade. Ora o que é uma goiaba? Nada, uma fruta. Na Suíça, recentemente, um turista alheio à lei, pegou uma laranja de uma árvore em que ela estava plantada no terreno do dono e por ter crescido estava espalhada pela frente da casa. Deste modo, o turista passou, viu a laranja, colheu a fruta e foi… preso.
Na nossa sociedade, parece que nossas crianças não entendem que roubar uma goiaba é o mesmo que roubar uma empresa, pagar uma propina, receber algo por fora e outras mutretas. Na obra “Seu nome é misericórdia, o Papa Francisco afirma que o corrupto não tem solução, pois ele se acostuma a ser corrupto e não se ajusta. O ladrão se arrepende e se converte, nunca o corrupto. Basta ver que os “senhores da corrupção em nossa cidade e em nosso país estão assaltando o povo há décadas. Vendo as crianças roubando goiabas, nos assustamos com a falta de ética, pois elas estão aprendendo com nossos representantes municipais, estaduais e federais a viver nas redes da desonestidade. Amanhã nossas crianças em vez de goiabas estarão roubando os cofres públicos.
Aconteceu com as crianças o que acontece nas estâncias governamentais: acusam-se mutuamente, como uma quadrilha que divide espólios do roubo. Cada um acusa o próximo e esconde seus próprios roubos. Como ensinar aos meninos da goiabeira que aquilo é imoral, se nossos governantes dão exemplos de imoralidade? Ainda bem que milhares e milhões de brasileiros pagam impostos sem fim, mas mesmo assim seguem honestos e honrados. Que os meninos da goiaba olhem para estes modelos de ética e que os corrompidos sejam banidos de nossas memórias.
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e
Teologia Sistemática – Cristologia
Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e
Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia