E O VENTO LEVOU
ANIVERSÁRIO DOS CINQUENTÕES
O tempo não parou. O tempo nunca para, feito um rio que caminha na direção do mar. Para nós, também o tempo caminha e caminha bem veloz. Esta semana saiu nos jornais um artigo sobre os cantores brasileiros que estão festejando os seus 70 anos. Alguns destes nossos grandes cantores completam mesmo 50 anos de profissão e que continuam encantando seus admiradores desde sempre.
Claro que sendo assim, os admiradores estão numa faixa razoável chamada “meia idade ou terceira idade” como seus ídolos. Num Brasil, do qual todos dizem ser um país que não tem memória, achamos formidável o que duas vizinhas conversavam:
– A Bethânia está fazendo 50 anos como cantora. Eu me lembro dela cantando Carcará, você lembra?
– Cinquenta anos de estrada. Claro que me lembro. Faz tempo.
Indiretamente falou a idade dela. Foi a primeira música que Bethânia cantou. A outra respondeu:
– Eu me lembro da Gal Costa. Eu gostava mais dela, que aliás e é mais nova do que ela.
A outra respondeu:
– Imagina, um ano de diferença.
– Mas sabe o que eu gostei dela? – seguiu falando. O repórter perguntou se ela sabia que um escritor estava escrevendo sobre a vida dela e ela disse que podia escrever à vontade, sem problema nenhum.
– Hummm – fez a outra – pelo menos ela foi diferente dos outros que querem proibir as biografias. Eles são personagens públicos e por que não querem que falem da vida deles?
É verdade, chega uma hora que as pequeninas diferenças não servem para mais nada. Ali está o Gilberto Gil, reclamando que não reclama de mais nada, que cansou. Gal Costa que provocou escândalo quando se apresentou com um só seio de fora. Agora nem lembra mais disso. Roberto Carlos é o mais velho, mas faz tudo para aparentar ser o mais novo. Coitada da Jovem Guarda, ficou velha. No entanto sempre nos lembraremos de músicas que emocionaram uma geração como Emoções, Jesus Cristo eu estou aqui, Cavalgada e muitas outras. Wanderléia ainda canta “Senhor Juiz” em todas as suas apresentações. O intelectual Chico Buarque ainda canta e encanta com suas letras, mas atualmente prefere ser escritor, se bem que preferimos nos lembrar das suas adoráveis músicas e letras como A Banda, Cálice, Construção, O que será, Mulheres de Atenas e tantas outras. Caetano Veloso ainda faz seus shows, mas somente de vez em quando nos últimos anos, mas ninguém esquece O Menino do Rio, Alegria Alegria e Sampa, entre suas composições. E até a Martinha, uma cantora da época da Jovem Guarda ressurgiu na Virada Cultural, evidentemente cantando seu único sucesso.
Convenhamos que o tempo passou rápido. De fato, esta geração foi fascinante, músicas que enobreceram a Música Popular Brasileira (MPB), além da Bossa Nova que foi levada para os quatro cantos do mundo.
Cantores que já partiram desta vida, como Elis Regina, Maysa, Cazuza, Cássia Eller, Tião Maia, Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim, Jair Rodrigues, Wilson Simonal e tantos outros também fizeram parte deste musical que a vida nos apresentou. Tiveram a sorte-azar de deixar suas imagens cheias de frescor e suas lembranças sem contradições.
Hoje, inclusive, muitos dos que morreram viraram belíssimos musicais e contaram suas vidas, regada com bebida, drogas ou fosse o que fosse, porque a vida de cada um fez parte de uma constelação de outras vidas. Todos viveram numa época de ouro para a música brasileira e artistas sempre foram de uma constelação diferente dos humanos comuns. Mas suas vidas não eram assim tão luminosas.
Desta maneira, mais uma vez o assunto vem à tona sobre a liberação de escrever a vida destes personagens para que a memória não se apague dos brasileiros. Recordemos que estes cantores lutaram contra a censura e hoje são os agentes das mesmas censuras que condenaram.
Com tantos talentos juntos decisões sábias, corretas e livres, para que a memória registre seus dons. Os escritores, tantas vezes bisbilhoteiros obsessivos deverão nunca esquecer que a vida íntima, (em poucas palavras, sexualidade e drogas) é bem menos importante do legado destes músicos para nossa cultura, sobretudo na luta contra a repressão, na criação de estilos e na elevação da nossa musicalidade.
Assim, as nossas vizinhas vão ficar feliz, recordando Carcará, Emoções, Garota de Ipanema e tantas outras. Mesmo que muitos destes cantores negaram a si mesmos, unindo-se a mídias e jogos políticos que contestaram, seu legado musical é impagável. Agora as biografias podem sair, o Tribunal Federal deixou. Quase não os escutamos mais, infelizmente. Mas os netos e bisnetos desta geração poderão conhecer a arte destes grandes artistas de nosso país. Coisas que o vento levou, mas que as lembranças eternizam.
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e
Teologia Sistemática – Cristologia
Prof. João H. Hansen, doutor em Ciências da Religião