A via da caridade
O
caminho da caridade deve ser o programa de vida daqueles que buscam o
aprimoramento. Esse tempo da Quaresma é oportuno para a qualificação da
caridade como dom maior na vida de toda pessoa. Nada é mais precioso do que o
exercício desta virtude. A caridade é um manancial de onde brota o amor, a
liberdade, a justiça e a verdade. A experiência deste dom emoldura no coração
humano uma interioridade como tesouro de virtudes indispensáveis para se viver
com equilíbrio a vida.
Modelar é a
reflexão do apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, na primeira carta,
capítulo 13. Essa reflexão é um itinerário que seguido, passo a passo, alarga e
fecunda, de maneira incomparável, as veras do coração humano. Ao falar sobre a
caridade, Paulo apóstolo não titubeia em apontá-la como o caminho
incomparavelmente superior. Sua superioridade é em razão da qualificada
capacidade de marcar a vida com a nobreza da solidariedade. Sem a experiência
desta virtude não se alcança autenticamente a fraternidade.
Só o amor
verdadeiro se desdobra em solidariedade, consequência de um sentimento
paciente, benfazejo, sem inveja, presunção e orgulho. Com a propriedade de não
levar em conta o mal sofrido, de não se alegrar com a injustiça, mas com a
verdade. Só quem ama de verdade sabe perdoar. Sua excelência é tal que, ensina
o apóstolo, sem o amor nada é aproveitado, nem mesmo se fossem conhecidos todos
os mistérios e toda a ciência. Exercitar-se na caridade é, pois, mais que um
simples gesto de repartir alguma coisa, especialmente quando se trata de algo
presente na lista de objetos supérfluos.
O caminho quaresmal é um insistente apelo e convite para que cada um se engaje
num indispensável processo de revisão da própria vida com escolha de critérios
e audácia de propósitos novos. A Doutrina Social da Igreja lembra que “a
caridade, não raro confinada no âmbito das relações de proximidade, ou limitada
aos aspectos somente subjetivos do agir para com o outro, deve ser
reconsiderada no seu autêntico valor de critério supremo e universal de toda a
ética social”. A caridade transcende a justiça. O sentido e o respeito pela
justiça hão de ser sempre completados por esta virtude. A caridade tem, pois, a
forma das virtudes, com força própria para persuadir homens a viver na unidade,
na fraternidade e na paz. O apelo da caridade é sem dúvida o mais forte.
Não há princípio
maior e mais completo que o mandamento do amor recíproco, com força de
inspiração, purificação e elevação das relações humanas na vida social e
política. O mandamento do amor é o vértice da autêntica ética. Deus é o seu
centro, n’Ele está a fonte inesgotável de seus valores. O Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, referindo-se à via da caridade, diz que “é necessário que se
cuide de mostrar a caridade não só como inspiradora da ação individual, mas
também como força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do
mundo de hoje e para renovar profundamente, desde o interior das estruturas,
organizações sociais, ordenamentos jurídicos”.
De fato, a
sociedade precisa ser treinada a amar o bem comum. E a dimensão social e
política da caridade nos leva a buscar o bem de todas as pessoas. Se esta busca
preside consciências, ilumina o discernimento de prioridades e a sintonia com a
dor dos mais pobres, sem dúvida, produzirá uma cidadania alicerçada na força da
verdade e ancorada pela honestidade. O exercício fraterno da caridade é uma
disciplina que prepara a consciência para a vivência da solidariedade como
princípio basilar da conduta e da cidadania. Não se trata de um exercício que
inclui simplesmente a partilha de bens. Trata-se, na verdade, de uma tarefa
espiritual da mais decisiva importância no rumo da própria vida e na
configuração da participação autenticamente cidadã.
Os critérios
advindos dos valores da caridade corrigem lacunas da consciência, indicam
caminhos para a conduta, e fecundam a vida com sabedoria e serenidade. Só a
caridade muda corações, faz encontrar gosto pela humildade, convence de que o
orgulho de nada vale, substitui a perversidade e maledicência. Faz brotar
alegrias duradouras, aquelas que todo coração busca e que estão para além, em
valor e importância. Vale a pena exercitar-se na via da caridade!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte