Catolicismo evangélico

Catolicismo
evangélico


Definindo o catolicismo evangélico
“Catolicismo evangélico” é um termo que está sendo usado para
capturar a versão católica de uma política da identidade do século XXI,
refletindo a transição histórica de longo prazo no Ocidente do cristianismo
como uma maioria formadora de cultura ao cristianismo como subcultura, mesmo
que grande e influente. Eu defino o catolicismo evangélico em termos de três
pilares:

* Uma forte defesa da identidade católica tradicional, ou seja, o apego aos
marcadores clássicos do pensamento católico (ortodoxia doutrinária) e da
prática católica (tradição litúrgica, vida devocional e autoridade).
* Robusta proclamação pública do ensino católico, com ênfase na missão “ad
extra” do catolicismo, transformando a cultura à luz do Evangelho, ao invés de
“ad intra”, na reforma interna da Igreja.
* A fé vista como uma questão de escolha pessoal, em vez de herança cultural, o
que, entre outras coisas, implica que, em uma cultura altamente secular, a
identidade católica nunca pode ser dada por óbvia. Ela sempre tem que ser
provada, defendida e manifestada.

Eu uso conscientemente o termo “evangélico” para capturar tudo isso
em vez de “conservador”, embora reconhecendo que muitas pessoas
experimentam o que eu acabei de esboçar como um impulso conservador.
Fundamentalmente, no entanto, tem a ver com outra coisa: com a fome de
identidade em um mundo fragmentado.

Historicamente, o catolicismo evangélico não é realmente
“conservador”, porque restou muito pouco do catolicismo cultural nos
dias de hoje a ser conservado. Pela mesma razão, ele não é tradicionalista,
embora ponha um galardão sobre a tradição. Se os liberais querem dialogar com a
pós-modernidade, os evangélicos querem convertê-la – mas nenhum dos dois busca
um retorno a um status quo ante. Muitos católicos evangélicos realmente dão as
boas-vindas à secularização, porque ela força a religião a ser uma escolha
consciente, ao invés de ser uma herança passiva. Como disse o falecido cardeal
Jean-Marie Lustiger, de Paris, na definição de dicionário de um católico
evangélico, “nós realmente estamos no alvorecer do cristianismo”.

Paradoxalmente, essa ânsia de lançar o catolicismo ortodoxo como o prato
principal mais satisfatório do bufê espiritual pós-moderno, usando as
ferramentas e as táticas de uma aldeia global saturada midiaticamente, torna o
catolicismo evangélicos tradicional e contemporâneo ao mesmo tempo.

Evangélico de baixo para cima
O “catolicismo evangélico” tem sido a força dominante no nível da
definição de políticas da Igreja Católica desde a eleição do Papa João Paulo II
em 1978. Se você quiser entender o oficialismo católico hoje – por que as
decisões estão sendo tomadas da forma em que estão sendo tomadas no Vaticano,
ou na Conferência dos Bispos dos EUA, ou em um número cada vez maior de
dioceses –, essa é facilmente a tendência mais importante que envolve a sua
mente.

No entanto, você vai entender o catolicismo evangélico muito equivocadamente se
você pensar nele exclusivamente como um movimento de cima para baixo. Há também
um forte componente de baixo para cima, que é mais palpável entre um
determinado segmento da população católica mais jovem católico.

Não estamos falando sobre a grande massa de católicos de 20 ou pouco mais de 30
anos, que estão por todas as partes do mapa em termos de crenças e valores. Ao
contrário, estamos falando sobre aquele núcleo interno de jovens católicos
ativamente praticante, que mais provavelmente irão discernir uma vocação à vida
sacerdotal ou religiosa, mais provavelmente irão se matricular em cursos de
graduação de teologia, e mais provavelmente irão seguir uma carreira na Igreja
como leigos – ministros da juventude, coordenadores da vida paroquial,
ministros litúrgicos, autoridades diocesanas, e assim por diante. Nesse
subsegmento da população católica mais jovem de hoje, há uma energia evangélica
tão espessa que você pode cortá-la com uma faca.

É desnecessário dizer que os grupos que eu acabei de descrever constituem a
futura liderança da Igreja.

Uma vez, a ideia de que a geração mais jovem de católicos intensamente
comprometidos era mais “conservadora” pertencia ao campo das
impressões anedóticas. Agora, essa é uma certeza empírica folheada a ferro.

Caso em questão: um estudo de 2009 realizado pelo Centro de Pesquisa Aplicada
no Apostolado da Georgetown University e patrocinado pela Conferência Nacional
das Vocações Religiosas dos EUA, encontrou um forte contraste entre os novos
membros das ordens religiosas nos EUA de hoje (a geração anos 2000) e a velha
guarda. Em geral, religiosos mais jovens, tanto homens quanto mulheres, são mais
propensos a primar pela fidelidade à Igreja e escolher uma ordem religiosa com
base na sua reputação de fidelidade. Estão mais interessados em usar o hábito e
em modos tradicionais de expressão espiritual e litúrgica. E estão muito mais
positivamente inclinados à autoridad

Para perceber por onde os ventos estão soprando, consideremos as ordens
femininas. O estudo constatou que entre aquelas que pertencem à Leadership
Conference of Women Religious, considerado o grupo mais “liberal”,
apenas 1% têm pelo menos dez novos membros. Entre aquelas que pertencem ao
Council of Major Superiors of Women Religious, visto como o grupo mais
“conservador”, robustos 28% têm pelo menos dez novos membros.

Em grande parte, é um erro diagnosticar essa tendência em termos ideológicos,
como se tivesse a ver com a política de esquerda ou de direita. Para os
católicos mais jovens de hoje, é mais uma questão de experiência geracional.
Eles não cresceram em uma Igreja sufocante e totalmente controladora, e por
isso não se rebelam contra ela. Em vez disso, estão se rebelando contra um
mundo secular sem raízes, tornando-os ávidos por abraçar marcadores de
identidade e fontes de significado claros.

Entre os jovens, o catolicismo evangélico usualmente se torna ideológico
somente se a geração mais velha coloca-os contra a parede, exigindo-lhes que
escolhem um lado nas batalhas internas da Igreja. Essa tendência, infelizmente,
parece igualmente pronunciada na esquerda e na direita.

Catolicismo evangélico e a JMJ
Sem dúvida, nem todos os jovens reunidos em Madri nesta semana são evangélicos.
Eu já cobri cinco JMJs, e a minha observação é de que é possível identificar
três grupos em geral: um núcleo central fanático; uma parte mais morna, que não
pensa tanto sobre religião, mas que ainda vai à missa e vê a fé como algo
positivo; e aqueles que estão apenas por causa da viagem, talvez porque seus
pais pagariam a ida à JMJ, mas não para as férias no Cabo (geralmente, estes
são as crianças que jogam bola e tomam sorvete durante os encontros de
catequese).

Pastoralmente, eu sempre pensei que o objetivo era levar alguns jovens desse
segundo grupo para o primeiro, e do terceiro grupo para o segundo.

Dito isso, os evangélicos claramente definem o tom. A JMJ talvez seja o único
evento internacional em que ser fiel e energicamente católico significa a
escolha do estilo de vida “da moda”. Para ser claro, essa paixão não
é artificialmente fabricada por ideólogos partidários e impingida sobre jovens
impressionáveis, como os comícios de Nüremberg ou as brigadas da Guarda
Vermelha de Mao: é algo que esses jovens crentes já sentem, e a JMJ
simplesmente providencia uma vazão.

Nesse sentido, a JMJ é o principal lembrete de uma verdade fundamental sobre o
catolicismo no início do século XXI. Dado o duplo golpe do catolicismo
evangélico tanto como a ideia fixa da classe dirigente da Igreja, quanto a
força motriz entre o núcleo interno dos fiéis mais jovens, ele está destinado a
moldar a cultura da Igreja (especialmente no norte global, ou seja, na Europa e
nos EUA) para o futuro previsível. Pode-se discutir seus méritos, mas não o seu
poder de permanência.

No mundo real, a disputa pelo futuro católico não é, portanto, entre os
evangélicos e algum outro grupo – digamos, os reformistas liberais. Ela está
dentro do movimento evangélico, entre uma ala aberta e otimista comprometida
com a “ortodoxia afirmativa”, isto é, enfatizando o que a Igreja
afirma, em vez do que ela condena, e um grupo mais defensivo, comprometido com
a promoção da guerra cultural.

Será interessante acompanhar como essa tensão irá se dar entre a safra de
líderes da Igreja de hoje. Mas talvez ainda mais decisivo será ver qual
instinto irá prevalecer entre as centenas de milhares de jovens católicos na
Espanha nesta semana e qual geração evangélica eles representam.

O
texto acima foi escrito por
 John L. Allen Jr., vaticanista
americano, que cobriu seis Jornadas Mundiais da Juventude, em artigo publicado
no National Catholic Reporter em 19 de agosto de 2011.


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