Nossa Senhora Aparecida


Imaculada
Conceição – Simbolos e significados


Os 150 anos da
proclamação do dogma da Imaculada Conceição coincidem com os 100 anos da
coroação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil.

A pequena e milagrosa imagem da Virgem é uma
imaculada, de terracota, de apenas 36 cm de altura. Seu título oficial é
justamente Nossa Senhora da Conceição Aparecida e os textos litúrgicos, em
grande parte, inclusive o prefácio, são os mesmos da festa da Imaculada
Conceição, que se celebra no dia 8 de dezembro.

O que caracteriza uma imaculada? Não são anjos em
torno dela; podem existir e podem faltar. Não é o Menino nos braços. Pode ter
mas pode não o ter. Não é a cor do manto, a coroa de estrelas ou um título
oficial dado pela Igreja. As estátuas e pinturas da Imaculada Conceição se
distinguem por terem aos pés o dragão (quase sempre representado pela serpente)
e a meia-lua. Dois símbolos fortes, oriundos tanto da cultura universal quanto
das páginas bíblicas.

É sabido que a lua ocupa um lugar destacado na
simbologia, religiosa e profana, de todas as culturas antigas. Quase sempre em
ligação estreita com o sol. Nos quadros dos reis e imperadores divinizados em
vida, costumava-se pintar o sol e a lua por sobre suas cabeças, para dizer que
eles estavam “nas alturas”. Maria, que carrega consigo o sol divino,
tem a lua debaixo dos pés: está marcada por Deus, é a “cheia de
graça”, é mais alta que os céus que abrigam o sol e a lua, é celestial,
ainda que habite em Nazaré e caminhe por Jerusalém.

Um dos significados mais presentes na figura da
lua é o da morte e ressurreição, porque a lua nasce, cresce, alcança um auge,
mingua e “morre” para “ressuscitar” três dias depois. Não
foi difícil ligar esse simbolismo ao papel de Maria: gerar aquele que passará
por todo o ciclo da vida e da morte, mas ressurgirá, refazendo a vida. Maria,
imaculada, que carrega a Vida divina, tem o pequeno ciclo da vida e morte
humanas sob seus pés: é senhora e dona da vida e da morte.

A lua sempre esteve ligada, por seu ciclo de 28
dias, à fecundidade. Todos os povos sabiam que a lua tinha influência sobre o
brotar das sementes e o amadurecer das espigas. As mulheres sabiam que seu
ciclo feminino se parecia muito ao da lua. Por isso mesmo, a lua era
considerada a deusa da fecundidade, do parto e até mesmo do tempo (muitos
povos, inclusive o hebreu, contavam os anos pela lua). Mas, por ser iluminada
pelo sol sem nada perder de sua integridade, algumas culturas, como a romana,
honravam a lua como deusa da virgindade. Mãe e virgem ao mesmo tempo era Maria.
A lua sob seus pés lembra o duplo e inseparável privilégio de Maria: ser mãe,
permanecendo virgem.

A lua depende do sol, mas brilha soberana no meio
da noite. Maria depende do Cristo, em função de cuja maternidade recebeu todos
os privilégios, mas, exatamente por causa do Cristo-Sol, não é afetada pelas
trevas do pecado, brilha límpida com a luz que lhe vem da maternidade divina.

Todos esses símbolos e outros estão contidos na
frase do Apocalipse, que inspirou os escultores: “Apareceu no céu um
grande sinal: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos pés”
(12,1). Nos primeiros séculos do Cristianismo, essa mulher vestida do sol era
interpretada como sendo a Igreja, que recebe toda a luz do Cristo. Aos poucos,
a mulher revestida de sol passou a significar Nossa Senhora. A lua, sob seus
pés, sem deixar o simbolismo pagão, assumiu novo significado: Maria é a senhora
dos tempos, a mãe das mães e a virgem das virgens, humana mas santíssima, terrena
mas elevada acima dos astros e no mais alto dos céus, aquela que resplandece na
plenitude da luz da graça sem jamais ter conhecido a escuridão do pecado. Essa
página do Apocalipse é lida como segunda leitura na festa de Nossa Senhora
Aparecida.

O simbolismo da serpente, talvez, seja mais fácil
de entender. É preciso recordar a página do Gênesis, onde se conta, também em
forma de figuras, a criação e a queda de nossos primeiros pais. Deus criou Adão
e Eva e os pôs num jardim, em cujo centro existia a árvore da vida (símbolo da
imortalidade) e da qual Deus proibira comer os frutos. O demônio, em forma de
serpente, induziu Eva a colher e comer um dos frutos da árvore proibida. Em
conseqüência, eles perderam a imortalidade: “sois pó e ao pó tornareis”
(Gn 3,19).

Sobre a cobra maldita Deus pronunciou, então, uma
profecia. Uma profecia, que foi traduzida de diferentes maneiras. Na Bíblia
hebraica se diz: 'Porei inimizade entre a tua descendência e o descendente
dela”. Um substantivo masculino e no singular. Os 70 Sábios, que passaram
o texto para o grego, conservaram o masculino e o singular. Mas São Jerônimo,
ao passar o texto para o latim, escreveu “entre a tua descendência e a
descendência dela”, usando um feminino generalizado. Com isso, a frase que
segue, tem sentido ambíguo: “ela te esmagará a cabeça”. 'Ela' está no
lugar de 'descendência' ou de 'mulher'? Muitos Santos Padres atribuíram o 'ela'
a Nossa Senhora. Outros mantiveram o hebraico e viram no 'descendente'
(masculino e singular) uma alusão a Jesus Cristo.

Os pintores e escultores trabalharam sutilmente o
tema: ora é Maria que esmaga a serpente ou enterra o dardo na cabeça do dragão,
ora é o Menino, mas, nesse caso, a mãe tem seu pé sobre o pé do Menino.

De qualquer maneira, a serpente aos pés de Maria,
nos quadros da Imaculada, refere-se ao demônio enganador do paraíso. Jesus é o
novo Adão. Maria é a nova Eva. Ambos são vitoriosos sobre o demônio. As
tentações de Jesus no deserto confirmam a vitória (Lc 4,1-13). No paraíso
terrestre, o demônio levou Eva e Adão à morte. Agora, o diabo e a morte são
derrotados e novamente a criatura humana se reveste de imortalidade (1Cor
15,53), torna-se participante da natureza divina (2Pd 1,4). Com o Cristo, Filho
de Deus, fruto bendito do ventre de Maria, o homem reconquistou o paraíso
perdido e ganhou o título de cidadão do céu.

A serpente debaixo dos pés de Maria Imaculada pode
ter outros significados interessantes. Por exemplo, se nos lembrarmos que a
cobra vive em buracos escuros, mas gosta de expor-se aos raios do sol, ela bem
poderia simbolizar o binômio “trevas/luz”, tão acentuado por João
Evangelista. Maria, sem pecado, está inteiramente fora das trevas do pecado e é
portadora daquele que se declarou a “luz do mundo” (Jo 8,12), o “sol
que vem do alto para iluminar os que estão sentados nas trevas e nas sombras da
morte” (Lc 1,79).

A cobra também troca de pele todos os anos. Por
isso ela foi comparada nas culturas antigas à lua que, sempre de novo, se
refaz. A cobra aos pés de Maria poderia ter o mesmo sentido da lua,
significando que Maria Imaculada é portadora daquele que é o Senhor da vida e
da morte e transformou a morte em vida.

Gostaria de lembrar mais um possível sentido para
a serpente sob os pés da Imaculada Conceição. O Salmo 91, que celebra a proteção
de Deus aos que o amam, e que foi citado pelo demônio nas tentações do deserto
(Lc 4,11), no versículo 13 fala do servo de Deus que poderá andar por sobre
víboras e dragões. Lucas, o Evangelista mariano, põe na boca de Jesus, quando
os 72 discípulos retornaram da missão, estas palavras: “Dei-vos poder para
pisar em serpentes e elas não vos fizeram mal” (cf. Lc 10,19). Também
Paulo, na carta aos Romanos, retoma a figura para dizer que os sábios diante do
bem e os íntegros diante do mal esmagarão Satanás debaixo dos pés (Rm 16,20).
Ora, Maria Imaculada foi protegida por Deus desde antes de sua concepção, amou
ternissimamente a Deus com amor de mãe, de filha e de esposa, conservou-se
íntegra diante do mal e do pecado. Por tudo isso, pisa na cabeça da serpente,
símbolo do mal, da mentira e das insídias.

Em muitos quadros e imagens da Imaculada, em vez
da serpente, encontramos o dragão, um animal imaginário, presente em todas as
grandes culturas antigas, inclusive na Bíblia. O dragão sempre simbolizou as forças
hostis à divindade. Em todos os mitos e lendas, a vitória sobre o dragão
significava a vitória sobre as trevas, a maldade, o caos. O Apocalipse fala do
dragão que perseguiu impotente a mulher que acabara de dar à luz um menino (Ap
12,4). Esta passagem do Apocalipse, ainda que passível de outras
interpretações, aplica-se muito bem a Nossa Senhora e a seu Filho Jesus, ambos
imaculados, ambos santíssimos, ambos vencedores do mal e da morte.

Compreender os símbolos que acompanham as imagens
e pinturas sagradas pode ajudar muito a devoção, porque os símbolos descrevem e
reforçam as qualidades que distinguiram o santo. A estátua de Nossa Senhora
Aparecida é uma imaculada. Os dois símbolos que lhe estão aos pés a proclamam
sem nenhuma sombra de pecado, santíssima, cheia da graça divina, vitoriosa
sobre o mal, o demônio e a morte, mãe fecunda e virgem consagrada, portadora de
vida e salvação, senhora vitoriosa e defensora da humanidade.

Por Frei Clarêncio Neotti, O.F.M