FLOR SEM DEFESA – A MENINA E A PLANTINHA DA CALÇADA

FLOR SEM DEFESA

A MENINA E PLANTINHA NA CALÇADA

Estávamos nos dirigindo para um hospital para visitar uma amiga que foi operada. Paramos o carro e descemos. Caminhávamos tranquilamente, quando escutamos uma voz de uma garotinha chamando sua mãe:

– Vem mãe, vem ver a minha florzinha. Vem logo…

A mãe,  que estava empurrando o carrinho com o irmãozinho da menina, olhou e viu a menina quase no meio da calçada, agachada olhando, deslumbrada,  para uma flor que havia nascido no meio do cimento, na calçada.

Não foi possível sermos indiferentes a esta linda cena. A menina fascinou-se com a flor, nascida ali no meio das pedras, onde passam centenas de pessoas e por obra do acaso, ninguém lhe pisou  em sua trajetória de vida.

– É amarela – disse a menina – é a minha cor favorita.

A mãe nos olhou e sorriu:

– Ela adora flores, todos os vestidinhos tem flores. Ela se encanta com elas.

A garotinha nos olhou:

– Não é bonita? É minha, eu a encontrei.

– É linda – respondemos – o que você vai fazer com ela?

Podemos dizer a famosa frase “criança tem cada uma”, quando ela respondeu:

– Se eu tirar daqui, ela pode morrer, não é? Se eu deixar alguém pode pisar nela – olhando para nós e a mãe – o que eu faço com a minha florzinha amarela?

Olhamos para a mãe e pensamos:

– E se a tirarmos com muito cuidado, você leva para casa e planta?

– Sim, isso mesmo, pode mãe?

A mãe concordou com a filha. Parece mesmo que ela certamente nasceu como  “uma jardineirinha de Deus”, sempre  preocupada com as plantinhas da vida.

Pegamos, sob a curiosidade de quem passava, uma tabuazinha e cavoucando ao lado do cimento, tiramos a plantinha. A mãe pegou um guardanapo e envolveu a raiz. Ao mesmo tempo, a menina pegou sua florzinha, deu um beijinho nela e saiu feliz para chegar em sua  casa e plantar sua nova conquista.

A mãe sorriu e se despediu, como se dissesse, “vida de mãe é isso”.

Depois da visita à nossa doente no hospital, passamos ali onde estava a plantinha e ficamos recordando aquele simples acontecimento. Onde será que a menininha estará plantando sua florzinha contente e como deveria estar bem feliz.

Nos veio à mente, que a florzinha nasceu no cimento, na maior improbabilidade de viver. Mas ela sobreviveu e quem sabe poderá viver ainda mais e dar novas sementes, se a flor continuar sua vida depois de plantada.

Assim é o mundo, muitas pessoas não tem onde crescer, onde viver nem onde lutar, como a plantinha da calçada. Mas não desiste, sobrevivem entre as pedras das favelas, subúrbios, sem tetos, sem condições nenhum de sobrevivência. E como a plantinha, germina suas raízes e desponta bela e cheia de encantos. Ganha o mundo e a vida se torna algo melhor.

Deveríamos fazer sempre como esta menininha, quer dizer, buscar nos lugares menos favorecidos aqueles que possam brilhar na vida. É preciso investir em pessoas que querem ser ajudadas, enquanto pequenas e deixar que a vida as transformem. Entreguemos a sorte àqueles que esperam desabrochar lindamente seus ideais e viver dentro de uma sociedade que lhes oferte, algo mais justo. Todos deveriam ter este direito.

Ficou gravada em nossa memória a menininha com sua flor. Ela se devotou à plantinha e a fez importante. Seu gesto foi fundamental, pois salvou uma pequenina flor levando-a consigo para tentar dar-lhe um jardim. Não devemos deixar nunca que os mínimos gestos se transformem em um grande ato de amor. A flor na calçada reflete a vontade de tantas pessoas que querem sobreviver no meio dos dramas da vida. E todos os pequenos projetos esperam ser despertados por bom-samaritanos que transformem nossos sonhos em realidade. Cada flor na calçada espera por uma menininha que a cultive em seu jardim.

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia