DEIXA A CHUVA CHOVER
SERENIDADE NA ADVERSIDADE
Um princípio fundamentam em todas as nossas atividades: trabalhamos seriamente e “das nuvens para cima, a gente não discute”. Parece simples, mas não é tão óbvio assim, quando tocamos a realidade, pois muitas vezes as intempéries são adversárias de nossos projetos. Imaginamo-nos senhores do tempo e do destino, mas “eis que chega a roda viva e carrega o destino para longe”
– Meu Deus, este tempo está escurecendo. Vai chover.
– Vai não, respondeu. Refletia mais seu interesse que sua convicção.
– Como chover, já está tudo preparado para a Festa Italiana? Centenas de fogazzas prontinhas, centenas de polpetones, as barracas mais do que prontinhas.
– Deus queira que não chova nem um pinguinho.
– Mas, e as roças, as plantações, as “guarapirangas”.
– Que chova nas cabeceiras dos reservatórios.
Teve gente que até pensou em fazer umas mandingas do nosso folclore religioso: ovo sobre o toco, raminhos verdes queimados para São Pedro, dança da chuva. Surgiram muitas ideias, muitas tradições e rituais. Ninguém fez nenhuma delas. A nossa fé transcende certas superstições.
Era o segundo final de semana da Festa Italiana. Toda arrecadação vai para os idosos das obras sociais dos orionitas. Não se pode ser orionita sem se importar com os pobres e muito menos ser cristão e viver das desgraças dos empobrecidos, como se vê no mundo pseudo-político e pseudo-religioso.
Fato foi que choveu e choveu muito. À pergunta irônica: quando deu a festa? No sábado deu bastante, no domingo, deu chuva. Não teve a festança, nem abrimos as barracas. Fomos todos para a Missa, manifestar nossa fé, aprofundar nossa unidade e, mais que tudo, agradecer a Deus pela chuva, tão leve e tão boa, que fecunda os jardins, como repetia Francisco de Assis. Para tranquilizar a todos, bastava olhar no rosto sereno das responsáveis pela cozinha: Sueli do Marcos, Fátima do Jefferson e Cleusa do Tatu. Rezamos, acondicionamos os alimentos e procuramos descobrir os novos caminhos, para superar o pequeno infortúnio.
Foi interessante perceber o comportamento das pessoas quando o “universo não conspira ao nosso interesse imediato”. Acreditamos ser meio fantasioso nos alienar dizendo que o universo conspira para nosso bem. O universo segue suas leis perenes e nós nos organizamos para viver seus ditames impetuosos. Alguns equipistas ficavam irritados. “Reze, está faltando fé”, ouvia-se falar sussurradamente. Como pode ser assim, se a festa é para servir os mais pobres? Foi o resmungo de outros mais agitados.
Aprendemos a lidar com a adversidade e crescemos na humildade e na habilidade de contornar situações. Na enfermidade, aprendemos a lutar, na mentira aprendemos a discernir, na bajulação, descobrimos o valor da coerência e da fidelidade. Enfim, das incongruências, descobrimos o valor da unidade e da labuta dos parceiros de caminhada.
Tudo isso, sem autoenganos e nem mentindo para si mesmo e para os interlocutores. Com certeza, nossos serviços públicos muitas vezes tão deploráveis, porque os seus responsáveis, ao invés de resolver a ineficiência, gastam litros de saliva para convencer o público que tudo está bem. E na hora de pagar a conta do supermercado, nota-se que eram puras falácias. E não cremos mais nas suas palavras, que soam como tão inverossímeis como as promessas dos horários políticos.
Choveu naquele domingo, choveu muito e molhou nossos sapatos, que nos custaram lenços de gripe. Nada diminuiu, porém, nossas convicções e nosso ardor. Estávamos prontos a reconstituir a festa, como as escolas de samba refazem suas fantasias depois da chuva . Com Deus, sobretudo é muito mais seguro e promissor. A festa seguiu, descobrimos novos caminhos e esperamos para a próxima festa. Se Deus fizer chover, dançaremos na chuva. Quando vires contradição entre o sol cintilante e o teu mau humor, entre teu espírito alegre e um dia nublado; bendize o desencontro. É sinal divino que o universo nem começa e nem acaba em ti.
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita) , doutor em filosofia e teologia
Prof. João H. Hansen, doutor em ciências da religião