O GANHA PÃO DE MARÍLIA
Em praça pública, com interesse e coragem, Dona Marília vendia seus cestos para banheiros. Na calçada, o material chegava a ter um belo design, pois as várias cores dos cestos, impressionantes pela simplicidade, enfeitava com elegância o ambiente. A mulher parecia ter a convicção que vendia algo importante e precioso.
– Quanto custa cada cesto?
– Dez reais, não é caro. Vai ver no mercado ao lado, bem mais caro.
– Mas eles pagam impostos, e os impostos são altíssimos.
Acho que a Dona Marília se enraiveceu. Parecia até meio irritada.
– Grande vantagem, pagar impostos. Tem ideia de onde foram teus impostos.
Este dinheiro está nos bolsos dos …
A cliente ia contestar, mas pareceu-lhe incontestável o argumento. Ficou quieta.
Nem ia comprar, mas quando viu duas crianças ao lado da mulher, até se animou em comprar.
– Vou levar. Quanto custa mesmo?
– Seria 10, mas faço dois por 15 reais. Quer levar três por 20?
A cliente então olhou para as crianças. Parece que se sentiu mal em pechinchar. O olhar das crianças era uma súplica.
– Vou levar dois, mas pago 20 reais. A senhora merece e precisa.
Tinha alguém ao seu lado e ela comentou, com espírito mais emocional, por perceber a luta da mulher para vender, quando abordou nova cliente em potencial que se aproximou de suas mercadorias.
– Sei que os donos de mercado não gostam e eles tem a razão deles. Eles lutam tanto para pagar impostos. Todos têm razão, cada um sua razão. É assim na vida.
– Por outro lado – disse uma pessoa que se sentiu provocada – esta mulher está lutando para sobreviver.
A conversa começou a tomar novos rumos e foi engrossando o caldo, cada vez mais.
– Fico impressionado, mas me deixa impressionado a realidade concreta de nossa sociedade. Essa mulher luta para ganhar alguns “dez reais” para alimentar seus filhos, pagar contas exorbitantes de água, luz e mais impostos, quando tantas pessoas gastam “em dólares e euros” por perfumes, por grifes de bolsas, por vaidades puras.
– Isso não é pior, poderia ser muito pior? – Uma terceira pessoa achou meio irônico.
– Essas vaidades que estão na moda, são assustadoras.
– Mesmo o Papa Francisco nos exorta sobre estas vaidades. – Percebemos que esse nem era católico, pois tinha o look de um ecologista radical.
– Pensou, reclamou uma jovem que parecia militante de grupos sociais. – Enquanto gente batalhadora luta para ganhar reais para sobreviver, nossos governantes brincam com o dinheiro público, como se fossem “reis da cocada”. Dinheiro com amigos e comparsas, provocando esta situação dramática nas praças e calçadas.
– Tem sido assim, mas é preciso mudar, deve mudar, é urgente.
O grupo foi se dispersando aos poucos e a mulher continuou vendendo seus cestos.
– Cestos, em diversas cores, decorativos. Dez reais, dez reais…
Vimos uma boa lição mesmo. Pessoas corajosas, decentes e dignas lutando para sobreviver, vendendo coisas mais simples, até com certa humilhação nas praças e tanto dinheiro sendo extraviado nos gabinetes dos prefeitos, nas câmaras, nos parlamentos, nos assessores de nossos deputados. Gente que perdeu a honra e se alimenta do elogio dos seus bajuladores.
Temos chances de mudar, pois o tempo da corrupção – jurídica e moral – está expirando. Vamos nos alimentar da esperança que fortalece nossa luta cotidiana. Haveremos um dia ter governantes dos quais vamos nos orgulhar. Por hora, estamos mais para Jeremias. Mais que tudo, lamentação. Mas a cadeia está aberta.
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e
Teologia Sistemática – Cristologia
Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e
Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia