A VUIVEZ DA TURTURINA
Todos nós, que apreciamos o cancioneiro do Brasil profundo, conhecemos o Luar do Sertão: “ser enterrado numa cova pequenina, onde a tarde a turturina chora sua viuvez”.
Temos testemunhado a poesia se concretizando em nossas comunidades nestes dias. Casais unidos por um laço forte de amor e devoção por longos anos, que se despedem com um luto suave e saudoso.
Recordemos a Dona Maria do Sr. Anésio, pais da Sueli e do Marquinho Muniz; o Tico da Elza, nossa grande catequista. E finalmente nestes dias, o adeus da Mamãe Olga, esposa do Sr. Arcílio e pais da Maria Helena e do Delique.
Chegamos outro dia no Centro de Convivência do Idoso. Foi diferente e logo estranhamos os fatos. De fato, Seu Arcílio que sempre nos recebia sempre sorridente, um dia nos recebeu com grande tristeza. Estava chegando o dia da partida. Dona Olga andava doente. Nem podia muito caminhar. O sorriso do Seu Arcílio ficou na lembrança. Chegou um momento na vida em que um casal, depois de tantos anos juntos, se separa. Deus chama um deles para sua companhia. Foi assim, Delique e Maria Helena nos comunicam que D. Olga, foi chamada para a casa do Pai.
Uns dias antes, Tico, marido da batalhadora e incansável Elza, também avisa que o marido foi chamado pelo Pai Eterno, depois de uma luta muito grande contra uma doença. Fora triste também, ver a Dona Maria Bucioli com um véu de tristeza no olhar.
Nossa fé nos diz que o bom esposo Tico, Papai Anésio e a Mãe D. Olga estão com Deus, estão em paz. Eles estão esperando por todos nós, que um dia haveremos de entrar no paraíso. Entendemos o sentido de nossa fé e de nossa esperança na Ressurreição que Cristo foi pioneiro.
O dilema é atravessar esta ponte, mas um dia todos nós atravessaremos. É um acontecimento muito misterioso para entendermos. No final, porém, reconhecemos que nossa missão foi cumprida. Como é bom a consciência da missão cumprida.
Recordamos um dos belos contos árabes. Um sheik mandou fazer um imenso jardim, onde tinha uma infinidade de flores de todos os tipos e cores. Todas belas, uma mais linda do que a outra. Era um jardim cuidado com muito amor por todos os empregados do sheik. Ele mesmo fazia questão de regar aquele jardim no final da tarde e não se cansava de ver suas flores.
Tinha dias que ficava olhando. Por vezes, ficava horas e horas cuidando de uma que não estava muito bem. Jogou adubo, colocou as mãos na terra e a flor milagrosamente renasceu. Outras vezes a chuva é mais forte e quase destrói as plantas, mas ele não desanima. Mas as flores não são eternas e um dia elas morrem. O sheik ficava triste, mas recolhia cada uma e deixava numa caixa de vidro muito bonita. Ninguém sabia porque ele fazia isso. O fato é que ninguém via nada depois na caixa. Simplesmente ela ficava vazia. Um empregado curioso um dia ficou espreitando a cena, viu então uma espécie de anjo abrir a caixa, assoprar e as flores renasciam com seu sopro e voavam para o céu.
O sheik olhou para o empregado, que não sabia que o patrão estava ali e disse:
– As flores enfeitam a vida, como enfeitam a morte. Finalmente renascem e vão para o jardim de Deus. Não conte a ninguém o que presenciou. Um dia encontraremos as flores que tanto prazer nos dão num jardim tão encantado que nenhuma flor jamais morrerá.
O empregado pediu perdão pela curiosidade:
– Senhor, perdoe-me. Eu não sabia, eu não entendia nada.
– Agora você entende, Deus nos dá as flores e enfeita nosso jardim, depois as leva para o jardim do céu, por isso devemos cuidar bem delas.
Desta maneira, nossas pessoas tão queridas, nossas flores no jardim, estão agora no jardim de Deus, junto com nossos santos, Nossa Senhora, tendo Jesus passeando é conversando com todos por lá.
Depende de nós entendermos esta passagem. Esta é uma ponte milagrosa. Um dia estaremos neste jardim. Não somos flores, somos almas. Não somos sonhos, somos realidade. Não somos pétalas, somos amor.
A separação é breve. Uma hora faremos parte deste jardim que desconhecemos. Nossa fé nos faz perceber, entender e visualizar as cores, os aromas, os abraços que um dia viveremos em Deus.
Assim, como a turturina que no alto galho da árvore chora sua viuvez, tamanha sua fidelidade, sua saudade e seu grande amor. Nossos queridos Arcílio, Maria e Elza vão recordar sempre com carinho seus grandes amores. Igualmente seus filhos e seus amigos. A saudade e a recordação que eles nunca morreram e jamais morrerão. O amor une os sentimentos para além do tempo e do espaço. A fé une as almas para além da morte. A saudade da pequena ave que canta recordando seu companheiro é a mesma dos entes queridos que se unem aos seus falecidos pela reza. Vale o canto dolorido da turturina, como valem as preces confiantes dos viúvos e dos órfãos.
Amor e fé unificam o tempo e o universo. Saudades sim, até um dia em que todos estarão passeando no mesmo jardim!
Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e
Teologia Sistemática – Cristologia
Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e
Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia