ARTESANATO, TRABALHO E FISCAIS

A CRUELDADE DO RAPA

foto cronica 23 07 rapa

 

Outro dia, em pleno centro da cidade, no meio de centenas de transeuntes, numa praça de grandes movimentos políticos e culturais, colorida de tantos carros, mendigos, executivos e árvores manchadas de poluição, vemos uma cena degradante. Uma voz desesperada anunciou, em gritos, como que anunciando uma tragédia.

– Olha o “rapa”, foge, foge pessoal – uma senhora idosa gritou.

– De novo,  vão levar nossos trabalhos – falou um dos artesãos.

– Não aguento mais, preciso sustentar meus filhos – disse uma artesã, juntando suas pequenas mercadorias em sacos plásticos.

– É somente o que sabem fazer, levam nossa mercadoria – reclamou um senhor.

– Coitados, somente querem vender seu trabalho – comentou uma senhora.

– Neste país, para ser ladrão, precisa usar terno e gravata. Esses passam ilesos.

Todo mundo sabe que o artesanato é uma arte que usa a técnica do trabalho manual não industrializado, realizado por artesão, cuja finalidade pode ser utilitária ou artística, em outras palavras enfeites ou utensílios.

Quando vamos para qualquer lugar, encontramos artesãos fazendo tapetinhos, vasinhos, chaveiros, colares e uma série de coisas típicas dos locais.  Quem vai para as cidades históricas de Minas Gerais encontra estas coisas por todos os lados e os turistas compram, além de imagens de santos, terços e santinhos. Mas, mais que isso, tornam-se o sustento de famílias pobres.

Nesta praça, encontramos os artesãos que apesar de não venderem coisas típicas, vendem colares, brincos, cachecóis no inverno e bijouteria em geral. Tudo produção artesanal. Precisam viver e tentam sobreviver de sua arte. Como não tem condições de abrir lojas, colocam suas coisas no chão e ficam esperando os clientes aparecerem. 
Com certeza, preferem um emprego seguro, com saúde e cesta básica. Você tem vagas para empregá-los?

Claro que é uma coisa simples, mas existe algumas pessoas que gostam. Mas é claro, contraria a lei, a lei feita pelos poderosos. Evadir divisas também é crime, mas os corruptos pensaram que não era aplicável a eles.

Mas os artesãos não podem usar a calçada para vender objetos artesanais. São levados para praças solitárias e distantes. O problema é que as moscas não compram artesanatos.

No entanto, chamados de camelôs no sentido geral, os artesãos acabam ficando fora da lei ao tentar vender o que fizeram. Algumas vezes,  armam suas tendas, ficam quietos, ninguém mexe com eles. Mas a tragédia é quando aparecem os fiscais, dependendo do humor, podem ser municipais, estaduais ou federais. Pouca importância tem sua origem, pois são donos da farda e sem humanidade atacam cruelmente e na cena horrenda, chutavam as tendas e espalhavam pela calçada os artesanatos.

– Tenha piedade, não façam isso. É o ganha-pão dessa gente.

– Cumprindo ordens e ordens são ordens.

A senhora pensou em revidar, mas sentiu-se intimidada. Logo seria presa por desacato à autoridade. Falou baixinho para nós e sentia seu medo grande.

– Porque não prendem os grandalhões da corrupção? Aqueles que espoliam o povo. Por culpa deles, essa gente vive assim.

Eles vem com tudo em cima destes artesãos e acabam apreendendo o que eles têm e ainda usam a violência para tirá-los do lugar. Foi o que vimos. Muito triste.

Sim, também pensamos naqueles lojistas que pagam impostos honestamente. Não tem como negar esse comércio clandestino. Mas porque sempre começam pelos mais fracos a aplicação da lei?

No outro canto da praça, um casal vestido com roupas típicas dançava ao som de um gravador. Acabou a música, o rapaz passou o chapéu. Olhavam para os lados, com medo dos fiscais.

Vivemos numa crise (os pobres, mais que todos) e perdemos o sentido da misericórdia. Aquele espetáculo da crueldade nunca se apagará daquele cenário.

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia